Dr. Eduardo F. Motti
Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training
Duas notícias surpreendentes: de acordo com o Sindusfarma, a indústria farmacêutica de capital nacional responde por 79,75% das caixinhas de remédios vendidas em farmácias (67,92% do faturamento) em 2022. Ao mesmo tempo, a ANVISA divulgou relatório mostrando que a indústria nacional foi responsável por apenas 6% das pesquisas clínicas com medicamentos em 2022 e 7% em 2023 (Figura 1).

Como explicar isso e qual o significado para a ciência brasileira?
Durante décadas a indústria farmacêutica nacional teve uma vocação copiadora de produtos importados. Muitas casas farmacêuticas hoje chamadas de multinacionais foram fundadas e/ou dirigidas por muito tempo por cientistas cujo objetivo era a descoberta de medicamentos inovadores. No Brasil, a maioria das indústrias locais foi fundada por profissionais de venda, cujo objetivo primeiro era… gerar venda (sim, houve exceções). O Brasil não reconhecia patentes farmacêuticas até a década de 1990 e preferia vender produtos de custo baixo e alto volume. Em certa medida, essa situação permanece até hoje.
Nos últimos 20 anos, entretanto, muita coisa vem mudando. A ANVISA e a lei dos genéricos foram criadas, as patentes começaram a valer, a Constituição de 1988 incluiu a saúde como direito universal e dever do Estado e o maior intercâmbio cultural e científico aproximou-nos da realidade dos países mais desenvolvidos. Tudo isso provocou a indústria nacional a se mover, ou perecer. E ela vem mudando.
Por que ainda não avançamos mais na pesquisa clínica nacional?
A pesquisa clínica feita nas universidades avançou e, dentro das limitações orçamentárias e de recursos humanos, faz bonito, com algumas áreas de excelência e reconhecimento internacional, como a cardiologia por exemplo.
Mas a pesquisa clínica patrocinada pela indústria, com novos medicamentos, é extremamente cara. É a etapa mais cara da cadeia de pesquisa e desenvolvimento de um novo produto, que atinge a casa de bilhão de dólares para ir do laboratório até a farmácia.
Não é possível fazer um estudo com um novo medicamento por menos de 5 a 10 milhões de reais, e muitos estudos alcançam valores de mais de 100 milhões de dólares! A razão mais importante para isso são os custos ligados à produção e manuseio das drogas, requerimentos regulatórios, monitoramento constante do andamento e resultados dos estudos e o grande número de profissionais altamente capacitados (e caros) envolvidos. Não poderia ser diferente, ou não teríamos medicamentos seguros e confiáveis para uso em larga escala.
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Que pesquisa clínica a indústria nacional realiza?
Por conta dos custos e do longo tempo de desenvolvimento, ainda dependemos mais do que se chama inovação incremental, aquela que introduz pequenas modificações para melhorar medicamentos já existentes. Pouco se faz de inovação radical, aquela que pesquisa e desenvolve novas moléculas para doenças carentes de tratamento. Os estudos clínicos necessários para a inovação incremental são mais simples e baratos. Mesmo assim, ficam na casa dos milhões de reais.
Alguns laboratórios, entretanto, já iniciaram programas de inovação radical no Brasil. Eles exigem coragem da direção das empresas, altos volumes de recursos e só vão dar frutos daqui a 10 anos ou mais. Infelizmente começamos com um século de atraso, começamos e isso é muito importantes. Outra boa possibilidade são as empresas de biotecnologia. Nessa área, as empresas nacionais têm uma defasagem tecnológica menor em relação à multinacionais, e melhores chances de sucesso. Mais da metade das novas drogas aprovadas nos últimos anos são de medicamentos biológicos, isto é de moléculas complexas que são produzidas em células, que têm ação mais precisa sobre as doenças.
É possível ajudar a pesquisa clínica das indústrias nacionais?
É possível e é fundamental. Temos necessidade de mais profissionais treinados, de mais centros de pesquisa onde os estudos possam ser realizados com qualidade e centros além do Sul/Sudeste do país. É possível também dar mais agilidade na criação e aprovação dos estudos clínicos. A nova Lei da Pesquisa Clínica, recém-aprovada vai nesse sentido. É possível estimular as empresas nacionais de pesquisa com incentivos para a realização de mais estudos, redução de impostos e tarifas para a pesquisa de produtos gerados no Brasil.
O governo brasileiro criou o programa de estímulo ao complexo industrial da saúde. A pesquisa clínica ainda não é vista como parte desse complexo, porque a maior parte dela é feita fora da indústria. É fundamental corrigir essa visão e estimular a pesquisa clínica nacional.