Dr. Eduardo F. Motti
Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training
“Como vai o cobaião?”
Era assim que meu amigo perguntava pelo meu pai, seu paciente, entre carinhoso e curioso. O cobaião era um velhinho baixinho, gordinho e meio encurvado, uma figura que justificava o apelido. A palavra cobaia, ou porquinho da Índia (“guinea pig”), quando usada para designar um ser humano, carrega um significado emocional muito forte e muito variado, dependendo de quem a usa e de quem a escuta.
Cobaias humanas foi o nome dado a pessoas submetidas a experimentos científicos sem dar seu consentimento, ou sem serem devidamente informadas, como se fossem animais de laboratório (na verdade, cobaias são raramente usadas em laboratórios). O exemplo clássico foram os experimentos médicos feitos por nazistas nos campos de concentração. Houve muitas outras situações do tipo, antes e depois do nazismo, que forjaram uma imagem péssima das pesquisas médicas na mente das pessoas. Essa imagem é reforçada todos os dias pela exploração feita pela imprensa e pelo cinema, com e sem razão.
Os pesquisadores são os que mais se insurgem contra o uso do termo “cobaia”. Os abusos do passado provocaram a criação de regulamentos que hoje norteiam as pesquisas no sentido de proteger seus participantes e criar mecanismos punitivos a quem foge deles. Toda a pesquisa médica é hoje muito controlada, aprovada em múltiplos comitês antes de começar, e todos os participantes são devidamente informados de tudo o que vai e pode acontecer.
Fato é que a expressão caiu na boca do povo e é usada para tudo e por todos. Assim, quando um chef famoso faz um novo prato, todos queremos “ser sua cobaia”; roupas, cosméticos, tudo o que for usado em cima ou dentro de você terá suas “cobaias”. E quando a imprensa quer fazer alguma matéria sobre pesquisas, bingo, é a forma mais fácil de chamar a atenção da audiência. Mesmo que o repórter seja cuidadoso com o texto, lá vem o editor e sapeca cobaia no título. A pandemia de COVID-19 teve o efeito de popularizar muito os conceitos da pesquisa de novos tratamentos. Hoje, eles são discutidos nos consultórios médicos, nos almoços de família e até nas mesas de bares. Estima-se que tenha havido mais de 50.000 foram voluntários nos estudos de vacinas da COVID-19 no Brasil.
Acredito que hoje é impossível fugir do termo. Como quando dizemos ao paciente que ele tem um crescimento anormal, talvez uma neoplasia, e ele pergunta na hora: É câncer? No caso dos estudos, a pergunta é semelhante: Vou ser cobaia? O melhor é pegar a deixa e explicar com calma e segurança, e investir numa relação de confiança, seja com os pacientes, colegas, jornalistas etc.
Os voluntários nas pesquisas médicas com grande frequência aprovam a experiência, recebem cuidado diferenciado, informação, exames e tratamento de forma gratuita. Recebendo ou não compensação financeira pela participação, muitas vezes querem repeti-la.
E você, já pensou em ser cobaia?