Medicina

Efeito placebo, efeito nocebo

Dr. Eduardo F. Motti, Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training

O leitor certamente conhece o chamado efeito placebo. Ele acontece quando um medicamento sem efeito, comumente chamado de pílula de farinha, produz um efeito benéfico. Placebo vem do latim piacere – agradar. Também chamamos de placebo ao próprio medicamento sem efeito, seja um comprimido, uma injeção, ou um procedimento sem efeito. O efeito Nocebo é o seu contrário. Também do latim nocere – fazer mal. É a ocorrência de um efeito adverso produzido pelo uso de um placebo, ou de um medicamento real, mas que não causa o sintoma referido.

Efeitos placebo e nocebo são reais, não são simulações. Há alterações no sistema nervoso, liberação de hormônios e neurotransmissores associadas ao efeito percebido, mas ainda não conhecemos completamente os mecanismos psíquicos em jogo.

Alguns exemplos são bem conhecidos. Nos hospitais, é comum dar um comprimido sem efeito para pacientes ansiosos que não conseguem pegar no sono, e quase sempre funciona. Propagandas de vitaminas que melhoram a memória, ou que “dão mais energia” são comuns, mas não há efeito físico demonstrável, exceto a sensação de melhora que muitas pessoas referem.

O efeito placebo é mais notado e importante em situações que a melhora depende de um relato do indivíduo, como na avaliação de dor, por exemplo. Um modelo de avaliação do poder analgésico de um medicamento é o uso após a extração do dente do siso (normalmente um ato que causa bastante dor). Em cerca de 40% dos casos, a administração de placebo consegue controlar a dor referida pelo paciente. O mesmo ocorre com frequência em casos de depressão — mais de metade dos pacientes que recebe placebo têm melhora significativa, assim como na doença de Parkinson e muitas outras.

O cuidado médico associado à medicação também faz diferença. Em um estudo, pacientes com intestino irritável foram divididos em três grupos: o primeiro foi apenas observado, o segundo recebeu falsa acupuntura e o terceiro a falsa acupuntura mais uma consulta cuidadosa com médico. No primeiro grupo, apenas 3% tiveram melhora, no segundo 20% e no terceiro 37% [1].

Outro caso interessante é a influência do preço do medicamento. Em um estudo publicado em 2008 [2], 82 pessoas saudáveis participaram de um experimento em que receberiam um comprimido de codeína de efeito rápido cujo efeito seria aferido através da tolerância a choques elétricos aplicados no punho, antes e depois da medicação. Após receberem o comprimido, um grupo foi informado que o comprimido custaria 2,5 dólares e outro grupo que o remédio teria um bom desconto, custando 10 centavos. Na verdade, todos os participantes receberam placebo, mas o efeito naqueles que receberam o “medicamento” mais caro foi bem maior do que os que receberam o comprimido de 10 centavos. Esse estudo seria considerado antiético se fosse proposto no Brasil, mas nos Estados Unidos teve aprovação para ser realizado e publicado.

O efeito nocebo também é comum. Ele pode ocorrer tanto após o uso de um medicamento inócuo (placebo), ou com o uso de um medicamento que não provocaria o efeito referido. Por exemplo, quando se altera o aspecto de um comprimido, ou a sua embalagem, alguns pacientes regulares referem que o “novo comprimido” não faz o mesmo efeito, embora o princípio ativo não tenha sido alterado. Pessoas que têm o costume de ler as bulas dos medicamentos referem mais frequentemente os efeitos colaterais descritos. Às vezes, a simples troca da marca do remédio, com a mesma droga e dose, faz os sintomas cessarem.

A mídia jornalística e mais recentemente os “influenciadores” também têm uma parcela de responsabilidade quando divulgam de forma sensacionalista efeitos adversos raros como se fossem comuns, ou um problema de saúde pública, ou até indicando a interrupção do tratamento. No caso de vacinas, o efeito nocebo pode ser muito frequente, como vimos na recente epidemia de COVID, com as frequentes notícias de “problemas graves causados pelas vacinas” que não eram reais, mas causaram pânico, encheram unidades de saúde e levaram tantas pessoas a recusar as vacinas ou sentir reações esdrúxulas.

A palavra do médico e de outros profissionais de saúde também têm muita influência, tanto sobre os efeitos positivos como negativos do tratamento indicado. Nas consultas médicas, a identificação de possíveis efeitos placebo como nocebo na história contada pelos pacientes é uma das partes mais delicadas e importantes da arte médica. É tempo bem gasto do médico que explica detalhadamente os efeitos esperados dos medicamentos que prescreve. Quem tiver mais interesse sobre o assunto, as referências 3 e 4 tratam do assunto em profundidade.

Nos próximos dias, retomarei o assunto para tratar de como os efeitos placebo e nocebo influenciam as pesquisas clínicas.

Referências:

  1. Kaptchuk TJ, Kelley JM, Conboy LA, Davis RB, Kerr CE, Jacobson EE, et al. Components of placebo effect: randomised controlled trial in patients with irritable bowel syndrome. BMJ 2008 May 3;336(7651):999-1003 https://doi.org/10.1136/bmj.39524.439618.25.
  2. Waber, RL. Commercial Features of Placebo and Therapeutic Efficacy. JAMA 299(9); 1016-7, 2008. https://doi.org/10.1001/jama.299.9.1016.
  3. Luana Colloca – The Nocebo Effect. Annu. Rev. Pharmacol. Toxicol. 2024. 64:171–90. https://doi.org/10.1146/annurev-pharmtox-022723-112425.
  4. Yeng Tu et al – Placebo and nocebo effects: from observation to harnessing and clinical application. Translational Psychiatry (2022) 12:524 ; https://doi.org/10.1038/s41398-022-02293-2.