Medicina

Como a inteligência artificial já otimiza o atendimento de hospitais

Fonte: Zero Hora

O uso conjunto de medicamentos que não interagem bem em pacientes, dosagens em quantidades inadequadas e enganos na hora de aplicar remédios não deveriam acontecer nos hospitais – mas acontecem. Exemplo disso ocorreu em Porto Alegre, no ano passado, quando um homem acabou em estado vegetativo após a equipe de um hospital se enganar e oferecer ao paciente dose 10 vezes maior. Agora, a inteligência artificial (IA) está sendo usada em farmácias hospitalares para a prevenção: softwares já identificam dosagens fora do padrão, alertam os farmacêuticos e evitam erros médicos.

É apenas um dos exemplos de como a IA já otimiza o atendimento em saúde. Se considerado o que ainda está em fase de pesquisa, há o potencial de revolucionar a área médica. Avanços em diagnósticos, no manejo de dados, na qualificação de procedimentos e até mesmo a prevenção de ocorrências graves podem trazer grandes benefícios aos pacientes.

O NoHarm.ai, um software desenvolvido por gaúchos e usado em farmácias clínicas de 15 unidades médicas da Capital, mais de 30 no Estado. Por volta de 70 hospitais do país usam a aplicação, que já acompanha diariamente quase 20 mil leitos hospitalares, mais da metade deles destinados à rede pública.

— Se tem algum medicamento que tá fora da dose ou frequência normalmente prescrita dentro da realidade do hospital, se é hepatotóxico, com interação medicamentosa, ou o paciente tem alergia, o sistema faz essa busca e nos traz de forma simples. O farmacêutico avalia a prescrição olhando para todos esses parâmetros e a ferramenta ainda diz qual paciente está mais grave e precisa priorizar — explica a farmacêutica Luana Pancotte, coordenadora de farmácias do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL/PUCRS), que usa o software desde junho de 2021.

Nos últimos meses, a IA tem sido associada ao ChatGPT, voltado para linguagem e conversação. O que caracteriza a tecnologia, no entanto, é a capacidade de reconhecimento de padrões, o que pode ser usado para aprimorar diagnósticos e processos.

No São Lucas, o uso do NoHarm.ai aumentou em 300% as intervenções da farmácia clínica na prescrição médica – segundo Luana, as sugestões são aceitas em 90% dos casos. No geral, o sistema auxilia na identificação de duplicidades, dosagens acima do recomendado e falhas na continuidade e frequência da administração de remédios, o que garante que um remédio seja ministrado no prazo e intervalo certos, além de outras inconsistências, com maior segurança no uso dos medicamentos.

— O algoritmo que desenvolvemos é capaz de detectar prescrições fora do padrão, então pegamos todo o histórico do hospital e analisamos com o programa. As novas prescrições ele diz: é comum, incomum ou fora do padrão e pontua de zero a três, o que permite ao farmacêutico identificar o que está fora do normal e pode ser um erro — afirma a farmacêutica Ana Helena Ulbrich, co-fundadora e responsável técnica do NoHarm.ai.

No Rio Grande do Sul, há uma rede de pesquisadores associados a universidades, hospitais e startups, como a NoHarm.ai, destinada ao apoio de soluções em IA na saúde: a Rede Ciars. A iniciativa é apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapergs) e tem como meta, por exemplo, criar sistemas capazes de ajudar especialistas na previsão de surtos e epidemias, além de ajudar hospitais na classificação de risco de pacientes.

— Há um trabalho sendo desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para uso de IA no reconhecimento da ocorrência de mosquitos transmissores de vírus, como Chikungunya, Zika e dengue, por meio do som que eles emitem. Modelos de IA podem reconhecê-los e ajudar no monitoramento. Na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), há outra aplicação em desenvolvimento onde usam dados de infecções bacterianas na UTI para reconhecer níveis de resistência a antibióticos para otimizar o combate às infecções — diz a coordenadora da rede Carla Freitas, diretora do Instituto de Informática da UFRGS.

O objetivo do projeto é o treinamento de modelos para resolver problemas do dia a dia de hospitais e do Sistema Único de Saúde (SUS), como a classificação de risco de pacientes ou em exames de imagens para auxílio do diagnóstico médico – hoje, IA já é usada no diagnóstico ultraprecoce do câncer em hospitais gaúchos. De acordo com Carla, um uso possível seria aplicar a tecnologia na regulação do SUS para indicar a complexidade e urgência de um paciente e encaminhá-lo de modo mais eficaz para um hospital capacitado no prazo mais adequado.

A coordenadora da Rede Ciars explica que, hoje, além de fontes públicas como o Datasus e governos, parte dos dados clínicos usados para alimentar os sistemas de inteligência artificial desenvolvidos pela rede é fornecida pela NoHarm.ai, que criou um banco de dados chamado Brateca a partir das informações coletadas em 10 hospitais que usam a ferramenta.

— São dados que já foram previamente anonimizados e para os quais têm autorização de um comitê de ética em pesquisa. Nunca se usam dados de pacientes sem que haja esse processo, para que seja impossível reconhecer um paciente. Todo dado, antes de ser colocado para uso por pesquisadores, passa por isso — explica Carla.

Segundo o médico anestesiologista Cristiano Englert, investidor-anjo de startups da área de saúde e professor na PUCRS, o potencial da IA está ligado ao manejo de dados. Hoje, como há uma transformação digital na saúde, por exemplo, por meio do aumento no uso de prontuários eletrônicos e a digitalização de exames, a tecnologia deve agilizar diagnósticos e consultas, além de qualificar procedimentos.

— Em anestesia, por exemplo, já há softwares que analisam o paciente e dizem exatamente o nervo que deve ser anestesiado para aquele procedimento, o que facilita que haja menos erros. O primeiro passo dela, de certo modo, é reduzir o erro humano e computar um maior número de informações — diz Englert.

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