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Por que o Brasil tem participação tão pequena nos estudos clínicos mundiais?

Dr. Eduardo F. Motti
Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training

Hoje, existem 105.599 estudos clínicos registrados como ativos no mundo (dados coletados na maior base de dados existente – www.clinicaltrials.gov, acessada em 13/12/2022). Aqueles patrocinados pela indústria farmacêutica representam 26.034, ou seja, em números redondos, a indústria farmacêutica patrocina cerca de um quarto dos estudos ativos no mundo.

Qual é a nossa parte nesse latifúndio? No Brasil, a base de dados registra um total de 1747 estudos ativos (1,65%), dos quais 969 (3,7%) patrocinados pela indústria. Isso é muito ou é pouco? É muito pouco! É cerca de metade ou menos do fazem países da Europa com população muito pequena, como Holanda, Bélgica, Áustria, Suécia ou Polônia.

Talvez antes de analisar os porquês, seja importante responder à pergunta: O Brasil quer realizar estudos clínicos com novos medicamentos? Durante muitos anos, a resposta a essa pergunta não era clara – muitos acreditavam que as empresas farmacêuticas só vinham aqui para explorar a nossa população, ou fazer os estudos que não poderiam fazer em seus países-sede, e por isso rechaçavam essa atividade.

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Como são escolhidos os países que participam de pesquisas clínicas?

Isso mudou bastante (embora ainda não completamente), pois a regulamentação internacional é rígida quanto a um padrão ético e científico único no mundo todo. Os pacientes que participam de pesquisas percebem que são muito bem tratados e a comunidade médico-científica também aprova os benefícios da maior integração global na pesquisa clínica.

Temos uma população grande e receptiva à pesquisa, temos uma regulação nacional em linha com os mais avançados padrões internacionais, temos uma Medicina de bom padrão e culturalmente alinhada com os centros mundiais mais avançados. Então, o que falta para crescermos? Onde estão os gargalos?

Seguindo os critérios que norteiam o direcionamento dos estudos expostos no segmento anterior, a primeira questão a ser abordada é o tempo necessário para um novo projeto avançar no Brasil. Somos um dos países mais lentos e burocráticos na aprovação dos projetos – enquanto a maioria dos países demora 2-6 meses da concepção do estudo até o primeiro paciente começar o tratamento, aqui 6 meses é o prazo mais otimista, mas um ano ou mais não é incomum.

As razões para isso são muitas e não cabem neste texto, mas peneirando bem, o grosso que sobra é uma cultura nacional pelo documento, pelas múltiplas revisões e carimbos e uma falta de confiança atávica no pesquisador e na indústria, sobretudo a internacional. Em vez de fiscalizarmos se as pesquisas seguem as devidas regras, preferimos pedir documentos, carimbos em três vias, com todas as páginas rubricadas.

Para completar, nosso regramento interno é paternalista e inclui alguns dispositivos que não existem em outros países, que funcionam muitas vezes como freio à atividade. Cumpridos todos os ritos, e com o projeto em andamento, nossa população é abundante, diversificada, disposta a colaborar e essa é uma das nossas maiores fortalezas.

O segundo gargalo é a falta de infraestrutura. Mesmo com pesquisadores e hospitais de bom padrão, somos muito desiguais e concentrados na região Sul-Sudeste. Metade de toda a pesquisa é feita apenas no Estado de São Paulo. O acesso e a qualidade dos serviços fora das cidades principais, as estruturas de transporte e comunicação são deficientes. Isso tem implicações na qualidade e quantidade de mão de obra.

A pesquisa clínica é altamente dependente de mão de obra muito qualificada, para alcançar os padrões internacionais de qualidade. Falta pessoal para pesquisa no mundo todo, mas no Brasil isso é um gargalo ainda maior, pois precisamos crescer muito e rapidamente. Mas o pouco que fazemos, fazemos bem. A qualidade das pesquisas clínicas no Brasil é comparável à de qualquer país desenvolvido, as auditorias e inspeções internacionais pelas quais passamos demonstram isso.

Quanto ao custo, somos tradicionalmente mais baratos do que o Hemisfério Norte, mas isso está mudando porque as pesquisas são cada vez mais globais e complexas, e os custos de deslocamento e de serviços especializados (transporte de amostras, testes, seguros etc.) são parte importante dos orçamentos. Além disso, os contratos com preços globais acabam por reduzir parte de nossas vantagens.

Finalmente, o fator pessoal é também muito importante. A maioria das decisões de inclusão de países nos projetos de pesquisa é tomada no país sede das empresas farmacêuticas e CROs globais, a influência das subsidiárias nesse processo tem sido muito reduzida, tanto pelo deslocamento geral do poder nas empresas, quanto pela juniorização dos quadros locais. O Brasil é reconhecido nas esferas decisórias como grande recrutador de pacientes, mas com tempos regulatórios longos e pouco previsíveis. Assim, as CROs, que muitas vezes ficam responsáveis pela alocação dos estudos, não querem correr riscos com seus clientes e deixam de oferecer o Brasil em muitos casos.

Apesar de todas as dificuldades, o número de projetos que chegam ao Brasil tem aumentado, principalmente com a pandemia de COVID-19. Nós participamos de praticamente todos os programas de desenvolvimento de novas vacinas e tratamentos contra o vírus. Chegamos a 3,7% do total global, mas podemos fazer muito mais.