Por Edu Motti, parceiro do Portal NuOn e sócio-gestor da Trials & Training
A participação em um estudo clínico com um novo tratamento é uma forma prática e ética de proporcionar acesso a quem possa se beneficiar dele?
Há fortes argumentos a favor e contra essa ideia e vale a pena nos debruçarmos sobre essa questão. Vamos examinar dois casos:
1- Paciente com câncer, que já fez vários tratamentos e teve retorno da sua doença. Poderia ter uma chance de resposta com uma nova droga em estudos e ainda não aprovada. Vale a pena tentar?
2- Paciente com diabetes controlado, tomando medicamentos várias vezes ao dia, é convidado a participar em um estudo com uma nova droga usada em uma única tomada diária. Vale a pena tentar?
A resposta é mais fácil no caso do paciente com câncer: sim! Já o diabético precisa ponderar se vale a pena deixar um tratamento que está dando bom resultado por outro que, embora mais cômodo, ainda é pouco conhecido.
A pesquisa clínica é destinada primariamente a dar resposta às perguntas: o tratamento em teste é seguro? É eficaz? É melhor do que existe hoje? Portanto, não é um tratamento, nem certeza de sucesso. Na prática, entretanto, ela pode sim proporcionar o acesso de quem precisa de novos tratamentos, de forma mais rápida e controlada.
Sabemos também que apenas 10% das novas drogas que são colocadas em pesquisa chegam a ser comercializadas. O resto falha por falta de eficácia, de segurança, ou por não se mostrar vantajoso em relação às terapias que já estão comercializadas, ou ainda por não ser economicamente viável.
O médico pesquisador não pode induzir seu paciente a participar de uma pesquisa com promessas de melhoras ou cura. Do ponto de vista ético, o pesquisador deve informar cuidadosamente ao paciente de suas possibilidades de sucesso e fracasso, dos riscos e das alternativas, da necessidade de comparecer à clínica repetidas vezes para os controles e o que acontecerá ao final da pesquisa. No Brasil, a regulamentação atual garante o direito dos participantes de continuar a usar o novo medicamento após a pesquisa, sem custo, enquanto houver benefício claro. Essa é uma realidade no Brasil, que pouquíssimos países no mundo dispõem.
A Tabela abaixo resume as principais diferenças entre um tratamento clínico e o ambiente de pesquisa.
Pesquisa Clínica | Tratamento Médico | |
Intenção | Responder a questões específicas através de pesquisas envolvendo numerosos voluntários de pesquisa | Endereçar as necessidades médicas dos pacientes. |
Benefício Esperado | Geralmente criada e com intenção de beneficiar futuros pacientes | Benefício para o paciente individual. |
Fonte de financiamento | Paga por desenvolvedores de novos tratamentos, agências do governo ou entidades privadas. | Pago pelos pacientes ou seus planos de saúde |
Tempo | Depende do protocol da pesquisa | Requer decisões em tempo real |
Consentimento | Requer o Consentimento Livre e Esclarecido por escrito | Pode ou não requerer consentimento por escrito |
Avaliações | Envolve avaliações periódicas e sistemáricas dos participantes | Baseadas nas necessidades individuais |
Proteções | Protegida por agências do governo, comitês de ética em pesquisa, padrões de conduta profissional, termo de consentimento e legislação vigente | Guiada por diretrizes médicas, padrões de conduta profissional, termo de consentimento e legislação vigente |
Certezas | Teste de produtos e procedimentos ainda não aprovados para benefício de pacientes | Utiliza produtos e procedimentos aceitos como eficazes e seguros pela comunidade médica. |
Acesso a Informação | Dados dos pacientes são de sua propriedade, mas resultado da pesquisa são considerados propriedade intelectual confidencial. | Disponível através da bula dos produtos |
Revelação dos achados | Publicados em revistas cientificas ao final da pesquisa | Informações médicas dos pacientes são de sua propriedade e confidenciais. Não estão em domínio público |
E o gestor de saúde, como analisa essa forma de acesso? Na pesquisa, o fabricante da nova droga paga todo o tratamento e a assistência aos participantes durante a pesquisa, aliviando assim o sistema de saúde assistencial. Infelizmente, muitos gestores acreditam que as pesquisas geram mais drogas novas, que aumentam a pressão de custos do sistema assistencial, pois as novas drogas geralmente são mais caras. Esquecem que essas novas drogas só são aprovadas porque geram benefício à população, que é a quem devem servir.
Mas como vimos acima, muitas drogas falham e são descontinuadas, outras se tornam reais avanços. A resposta correta é que apenas realizando mais pesquisas vamos permitir que mais novos tratamentos sejam testados, e que mais rapidamente se descubra aqueles que realmente trazem os benefícios esperados e os demais sejam abandonados antes de trazerem prejuízos aos pacientes e à sociedade.