Dr. Eduardo F. Motti
Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training
A frase entre aspas é do empresário Jorge Gerdau, em referência ao crescimento do Brasil, dita em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, no dia 19 de maio. A atuação de Gerdau tem pouco ou nada a ver com a área médica, mas me fez pensar que é exatamente isso o que ocorre na pesquisa clínica no Brasil.
A pesquisa clínica, entendida aqui como a busca de novos tratamentos e vacinas, é hoje uma atividade global, ou seja, pode ser feita no Brasil, nos Estados Unidos, Europa, Japão, Argentina etc., com os mesmos padrões científicos e éticos. Quem tem uma nova molécula com potencial para se tornar um novo tratamento pode escolher pesquisá-la aqui ou em outro país. Como decidir aonde ir? A palavra-chave é ATRATIVIDADE.
São mais atrativos os países que têm população extensa e diversificada (ponto para o Brasil), pesquisadores treinados e receptivos (2×0), custos razoáveis (3×0), proteção de propriedade intelectual (4×0), bom nível educacional geral (4×1), apoio governamental (4×2), tempos de aprovação razoáveis dos projetos (4×3), pouca burocracia (4×4), sem falar no prejuízo de requisitos únicos, as “jabuticabas” (4×5). Estamos perdendo!
Foi aí que dei um tapa na testa quando li a frase de Jorge Gerdau. Sim, é isso. O nosso marasmo burocrático está ligado à incompreensão dos benefícios que a pesquisa clínica pode trazer ao Brasil. Mas o que chamo de marasmo burocrático? Ele não é culpa ou dolo de um ou outro agente, é todo um sistema criado sem preocupação com a eficiência e que, uma vez posto em movimento, passa a inibir iniciativas individuais, tornando-se um “teto para o crescimento”, como diagnosticou Gerdau.
Nossa máquina burocrática criou múltiplas camadas superpostas de aprovação dos projetos de pesquisa clínica, com o argumento de criar melhor proteção aos participantes. A suposta proteção na verdade acaba por reduzir a sua autonomia. A autonomia é um dos princípios fundamentais da bioética – a autonomia de escolher participar ou não de uma pesquisa; se ela não é oferecida, não há escolha. Isso vai de encontro à tendência mundial de agilizar processos, informar adequadamente os participantes e aceitar seu julgamento sobre a sua participação. A população brasileira não é especialmente vulnerável, como querem impor nossos “especialistas em bioética”.
Nosso sistema de aprovação ética de pesquisas (CEP e CONEP) exige também uma enorme quantidade de informações e discrimina as pesquisas que são geradas no exterior, como se elas fossem intrinsecamente mais “perigosas” do que as nacionais. Já a ANVISA tem visão distinta e exerce maior escrutínio sobre as pesquisas nacionais, pois seriam mais “frágeis” metodologicamente do que os projetos internacionais. Os dois órgãos não se articulam e mal se conversam.
Um detalhe a título de exemplo: a ANVISA exige que os dossiês das pesquisas sejam protocolados com as páginas numeradas em sequência contínua (em geral, acima de 500 páginas) e… rubricadas uma a uma, depois escaneadas para envio eletrônico. A burocracia digital deveria receber um troféu.
A burocracia quer que acreditemos que cumpri-la é um fim em si. Não é! A experiência de outros setores da economia mostra que a burocracia pode ser ajustada, ou mesmo eliminada, em uma canetada, sem prejuízos para a população.
O raro leitor, se teve a paciência de chegar até aqui, poderá entender melhor outros motivos pelos quais o Brasil perde atratividade: grande parte dos insumos da pesquisa são importados – medicamentos, equipamentos médicos, material de laboratório, etc. Todo material importado tem de ser aprovado pela Receita Federal, através de um sistema chamado SISCOMEX que, por não entender de pesquisas, nem conversar com a ANVISA, cobra impostos sobre esses materiais, que não têm valor comercial pois não serão vendidos.
Paga-se imposto para fazer pesquisas no Brasil, e muito! Um tubinho de coleta de sangue demora ao menos um mês para ser importado. Ah, mas se esquecer a agulha de coleta, vai outro processo, outro mês e outro imposto.
Jorge Gerdau é também o presidente do Movimento Brasil Competitivo, quem sabe ele poderia ajudar a refrescar as ideias e sacudir o marasmo burocrático, ao menos da pesquisa clínica.