Fonte: Agência Fapesp
Os gastos públicos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e os mecanismos de renúncia fiscal empregados nas últimas décadas no Brasil para estimular as empresas a inovar não têm produzido o efeito desejado de induzir o aumento dos investimentos do setor privado no país em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Os dados que corroboram essa constatação foram apresentados por Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, em palestra na Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (CECTI). O evento, que aconteceu quinta (07/03) e sexta-feira (08/03) na Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, teve o objetivo de preparar as contribuições do Estado de São Paulo para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), marcada para ocorrer entre 4 e 6 de junho, em Brasília.
“Um grande desafio de países como o Brasil é induzir um gasto maior das empresas em P&D. Mas nem o gasto público nem a renúncia fiscal têm produzido o efeito de alavancar o gasto privado”, afirmou Pacheco.
De acordo com o dirigente, uma das formas de avaliar o sucesso de políticas voltadas a estimular o aumento de gastos em P&D nas empresas é ponderar o esforço privado pelo volume de gastos públicos e de renúncia fiscal realizados em determinado período.
No caso do Brasil, cálculos feitos com base em estatísticas fornecidas por relatórios elaborados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) referentes aos últimos 20 anos mostram que o efeito esperado de alavancagem nos dispêndios em P&D pelo setor privado não aconteceu.
“Essa relação pode ser imperfeita para medir esse efeito de alavancagem, mas ela mostra que cai. Isso significa dizer que o valor de cada real renunciado é cada vez menor em relação ao investimento privado”, apontou.
Na avaliação de Pacheco, as razões para as estratégias de indução do aumento dos gastos do setor privado em P&D no país não estarem produzindo os impactos desejados não estão relacionadas somente às políticas de CT&I. Há uma série de outros fatores, como as estruturas industrial e patrimonial, o desempenho e o grau de abertura da economia brasileira que contribuem para esse cenário. Mas é preciso avaliar e aumentar a eficácia das políticas que têm sido formuladas no país com essa finalidade, sublinhou.
“Estamos discutindo, há 20 anos, a importância da inovação para o Brasil, mas, na realidade, o desempenho privado nessa matéria tem sido mais ou menos constante durante todo esse período em que foi a criada a Lei do Bem, renovada a Lei da Informática e o tema inovação foi introduzido em todos os lugares. É preciso identificar onde precisamos mexer os botões para que isso funcione”, disse.
Renúncia fiscal
De acordo com Pacheco, em países com sistemas de CT&I robustos, como os Estados Unidos, o gasto privado em P&D é bem superior aos dispêndios públicos. Nos países da América Latina, incluindo o Brasil, contudo, essa relação é inversa.
“No caso do Brasil, [a proporção entre gasto público e privado] é de, mais ou menos, 50%. Mas há algumas indicações de que o desempenho privado foi melhor nos últimos anos em relação ao setor público, alcançando um percentual maior do PIB. No fim deste mês teremos os primeiros dados da Pintec Semestral que pode ser que mostre esse avanço”, disse Pacheco se referindo à Pesquisa sobre Inovação elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além do apoio direto, como compras governamentais ou subvenção, muitos países, em especial os de renda média, utilizam incentivos fiscais para estimular o gasto privado em P&D. Na média dos países da OCDE, esses apoios públicos têm aumentado significativamente em relação aos esforços em P&D feitos pelo setor empresarial, mostrou Pacheco.
“Os incentivos diretos e fiscais exercem um papel fundamental nas políticas de inovação. Cerca de 15% do gasto privado em P&D é subvencionado pelos governos”, apontou.
Um dos mecanismos utilizados pelo Brasil e outros países, em especial os de renda média, para estimular os gastos de inovação nas empresas é a renúncia fiscal – quando o governo abre mão de receber o total ou parte dos tributos devidos por uma determinada atividade econômica. Os principais instrumentos empregados para essa finalidade no Brasil são as leis do Bem e de Informática.
Criada em 2005, a Lei do Bem concede benefícios fiscais a empresas que realizem aportes de investimentos em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Já a Lei de Informática, que entrou em vigor no início da década de 1990, tem o objetivo de estimular a competitividade e a capacitação técnica de empresas brasileiras produtoras de bens de informática, automação e telecomunicações.
“A Lei do Bem tem uma performance melhor do ponto de vista de renúncia fiscal em relação à Lei de Informática, que tem outra função que não é somente de P&D, mas também a de promover o equilíbrio regional entre indústrias que estão situadas dentro com as que estão fora de Manaus. Mas não há uma avaliação concreta sobre a eficácia desses instrumentos”, apontou.
Além de Pacheco, a primeira sessão da conferência, sobre financiamento e organização da pesquisa e da inovação, teve a participação de Sergio Salles, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Fernanda De Negri, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); Mayra Izar, consultora de inovação do Sebrae for Startups; e Kenia Antonio Cardoso, coordenadora de nova economia e desenvolvimento territorial na Fundação Tide Setubal.
Salles e De Negri falaram sobre as políticas de inovação orientadas por missão. De acordo com a pesquisadora, essas políticas surgiram a partir de missões espaciais, como o projeto Apolo, e programas de defesa dos Estados Unidos, como o projeto Manhattan, liderado pelo físico norte-americano Robert Oppenheimer (1904-1967) com o objetivo de construir a primeira bomba nuclear. Com o passar dos anos, o conceito evoluiu para inovação direcionada a atender às necessidades sociais.
Na avaliação dela, as missões que estão na política industrial brasileira podem ser chamadas de eixos, setores ou grandes linhas de atuação, mas não são missões.
“As metas que estão colocadas são pouco críveis ou muito vagas e não dizem nada sobre como chegar ao resultado esperado”, afirmou De Negri. “Precisamos melhorar e aprofundar no Brasil esse debate de como definir as missões que queremos, o que podemos fazer ou não e como coordenar os esforços para alcançar as metas”, avaliou.
Na opinião de Izar, as missões de certa forma têm relação com a ação das startups no ecossistema de inovação. “Temos no programa Sebrae for Startups empresas em áreas como greentech [tecnologias verdes] e climatech [soluções para mitigar a emissão de gases de efeito estufa], que podem ser temas de eventuais missões do Brasil”, disse.
Cardoso deu exemplos de projetos apoiados pela Fundação Tide Setubal. “Como trabalhamos com advocacy [prática ativa de cidadania] em parceria com políticas públicas, nosso papel é provocar algumas perguntas, alguns olhares ou então tentar estimular o fomento à pesquisa para que ele chegue a lugares em que a política pública, da forma que está estruturada, não consegue chegar”, contou.