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Diabetes e doença cardiovascular

Por André Feldman*

A incidência de diabetes passa por um processo de crescimento alarmante. A Federação Internacional de Diabetes sinaliza que existem mais de 500 milhões de diabéticos no mundo e projeta um crescimento, até 2045, de 50% no número de diabéticos na América Latina1. A prevalência de diabéticos passará dos atuais 10% para 12% nos próximos 25 anos. Especificamente no Brasil, dados remetem a 15 milhões de pessoas com a doença, com estimativa de 23 milhões em 2045, fazendo com que o país ocupe a sexta colocação em número de pessoas com diabetes1.

O crescimento desta doença passa por uma conjunção de fatores, nos quais se destacam: o aumento da expectativa de vida, o crescimento da obesidade, a deterioração dos hábitos alimentares, o sedentarismo e o aumento do estresse afetando ambos os sexos. Porém, mais crescente nas últimas décadas entre mulheres, que se inseriram progressivamente no mercado de trabalho.2,3

Vale a pena destacar a diferença entre o diabetes tipo I e tipo II. No diabetes do tipo I, o surgimento da doença advém de uma progressiva destruição do pâncreas por uma doença autoimune. Isto leva à insuficiência na produção de insulina, hormônio que leva a glicose do sangue para as células. A ausência de insulina traz o aparecimento da doença que, geralmente, ocorre entre os quatro a seis anos de idade ou entre 10 a 14 anos. O tratamento se baseia na reposição de insulina.

Já o diabetes do tipo II se caracteriza pelo surgimento de uma resistência à ação da insulina no organismo. O corpo não responde da mesma forma ao efeito da insulina, necessitando de concentrações mais elevadas deste hormônio no sangue. Isto acarreta em maior estímulo ao pâncreas, sobrecarregando-o com a necessidade maior de produção de insulina. Tal condição, em médio prazo, leva a desgaste progressivo e insuficiência pancreática, que progride com a deficiência gradual da produção da própria insulina. A deficiência progressiva da produção deste hormônio somada a resistência à mesma implica na elevação progressiva dos níveis de glicose no sangue, caracterizando o diabetes tipo II.2,4

O impacto do diabetes na vida do paciente pode ser enorme, principalmente se não houver um controle adequado da doença. Complicações como amputação, cegueira, insuficiência renal (mau funcionamento dos rins), com necessidade de diálise, podem advir e levar a um imenso prejuízo na qualidade de vida do paciente. Além disso, os diabéticos têm um elevado risco de infarto e derrame, que podem levar a óbito. A doença cardiovascular é, atualmente, a principal causa de morte em pacientes diabéticos, correspondendo a 67% dos óbitos nesta população.5

Por muitos anos, o tratamento do diabetes perseguiu a redução da ocorrência destas complicações. O controle dos níveis de glicose no sangue, de forma sustentada, proporciona uma menor incidência de amputações, insuficiência renal e cegueira, porém não diminui diretamente o risco de morte por doença cardiovascular. Por muitos anos, os diversos medicamentos utilizados para o tratamento em diabéticos promoveram controle da glicose sem conseguir minimizar o risco de infarto. Mas recentemente, duas classes de fármacos se provaram eficazes em reduzir o risco de morte por doenças cardiovasculares no portador de diabetes.

A classe dos inibidores do receptor SGLT2 e a classe dos análogos GLP-1 representam as duas maiores inovações no tratamento do paciente diabético, na medida que são os únicos fármacos que se tem evidência em reduzir o risco de morte por doença cardiovascular nesta população. Por conta disso, as principais diretrizes de tratamento de diabetes recomendam que portadores de diabetes com alto risco para doença cardiovascular devem utilizar uma ou ambas as classes de fármacos acima destacadas.2,6

*Dr. André Feldman é cardiologista, coordenador dos Serviços de Cardiologia dos Hospitais Rede D´or São Luiz, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e doutor em Ciências Médicas pela USP/IDPC.

Referências bibliográficas:
1.            IDF Diabetes Atlas 2021 – 10ª edição. Acesso em 17.11.2022 em www.diabetesatlas.org
2.            Rodacki M, Teles M, Gabbay M, Montenegro R, Bertoluci M. Classificação do diabetes. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022).
3.            American Diabetes Association; Professional Practice Committee: Standards of Medical Care in Diabetes—2022. Diabetes Care 1 January 2022; 45 (Supplement_1): S3.DOI: 10.29327/557753.2022-1, ISBN: 978-65-5941-622-6.
4.            American Diabetes Association Professional Practice Committee; 2. Classification and Diagnosis of Diabetes: Standards of Medical Care in Diabetes—2022. Diabetes Care 1 January 2022; 45 (Supplement_1): S17–S38.
5.            American Diabetes Association Professional Practice Committee; 10. Cardiovascular Disease and Risk Management: Standards of Medical Care in Diabetes—2022. Diabetes Care 1 January 2022; 45 (Supplement_1): S144–S174.
6.            Cosentino F, Grant PJ, Aboyans V, et al. 2019 ESC Guidelines on diabetes, pre-diabetes, and cardiovascular diseases developed in collaboration with the EASD: The Task Force for diabetes, pre-diabetes, and cardiovascular diseases of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for the Study of Diabetes (EASD), European Heart Journal, Volume 41, Issue 2, 7 January 2020, Pages 255–323, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehz486.