Saúde

A tuberculose e os planos do Ministério da Saúde

Algumas doenças mais prevalentes em países com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), como é o caso do Brasil, são classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doenças negligenciadas (Neglected Diseases). Estas doenças são chamadas negligenciadas porque não recebem investimentos importantes em pesquisas de novas drogas ou vacinas, embora possuam uma prevalência considerável. Das 10 doenças classificadas como negligenciadas, o Brasil possui 9.

Uma doença desse grupo que chama a atenção é a tuberculose. Embora o Ministério da Saúde (MS) tenha uma estratégia de combate à tuberculose, a doença continua a ser um importante problema de saúde pública. A tuberculose é famosa por ter sido a causa da morte precoce de vários poetas e músicos do passado e é retratada em filmes antigos por ser uma doença incurável, a qual os acometidos se internavam em sanatórios localizados em estâncias climáticas.

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Em 2008-2009, eu trabalhava numa multinacional, a qual tinha um antibiótico em seu portfólio chamado rifabutina, que possuía a indicação para tratar pacientes com tuberculose ativa, mas o tratamento com o antibiótico de primeira linha, a rifampicina, havia falhado. A Fundação Clinton, naquela época, fez um acordo com a empresa para facilitar o acesso a esse antibiótico, frente ao crescente aumento de casos com resistência bacteriana. O acordo era que a empresa deveria vender o medicamento a um valor não superior a US$ 1 por comprimido nos países que estava presente.

A Fundação Clinton existe há 20 anos e possui programas globais para facilitar o acesso aos medicamentos em países de baixa renda. A Fundação Clinton atua em diversas áreas terapêuticas e possui um programa específico para tuberculose. Tuberculosis – Clinton Health Access Initiative.

Com esse acordo, fomos conversar com a líder científica do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), na época a Dra. Margareth Dalcolmo, e ela foi pessoa chave para a entrada da rifabutina no programa. Naquela época, a CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) ainda não estava envolvida na incorporação dos medicamentos no programa.

A tuberculose é uma epidemia em vários países de baixa renda, não só no Brasil. Em 2009, o Brasil era o segundo maior país em prevalência, perdendo apenas para a África do Sul. A bactéria responsável pela infecção é a Mycobacterium tuberculosis e sua disseminação é muito frequente, embora apenas 5% dos infectados apresentem a infecção ativa.

No Brasil, estima-se que 50 milhões de pessoas tiveram contato em algum momento com a M tuberculosis. A infecção ativa mais frequente é a pulmonar, mas pode também afetar rins, pele, cérebro e olhos. A tuberculose extrapulmonar atinge mais frequentemente pessoas que possuem coinfecção de HIV. De acordo com o Ministério da Saúde, são notificados anualmente 70.000 casos novos da doença. Tuberculose — Ministério da Saúde (www.gov.br).

O coeficiente de incidência no Brasil é de 35/100.000 habitantes , sendo a região Norte com maior incidência 43/100.000 habitantes. A maior quantidade em número absoluto de pacientes no Brasil está na região Sudeste, mas três cidades do se destacam – Rio de Janeiro, São Paulo e Manaus. Há um local geográfico onde a tuberculose é crítica: as favelas. Todos os grandes centros urbanos no Brasil possuem favelas. O grande problema é que há uma aglomeração perigosa nos dormitórios das residências. Os institutos prisionais também possuem alto número de contaminados.

Em 2017, o MS lançou o programa “Brasil Livre da Tuberculose”. As metas do plano são: alcançar uma redução de 90% do coeficiente de incidência da Tuberculose e uma redução de 95% no número de mortes pela doença no país até 2035, quando comparados aos dados de 2015. Para o Brasil, significa que é necessário reduzir o coeficiente de incidência para menos de 10 casos por 100 mil habitantes e reduzir o número de óbitos pela doença para menos de 230 ao ano, até 2035.

O sucesso do tratamento de tuberculose (seis meses de tratamento) é de 60%. A maior causa de insucesso é a resistência bacteriana aos antibióticos. Os protocolos oficiais utilizam drogas que são usadas há décadas, mesmo assim as drogas utilizadas para os casos resistentes também têm elevada taxa de resistência. Evitar o contágio pela tuberculose é muito difícil, portanto, são necessários investimentos em pesquisa de novas drogas.

A tuberculose pode ser negligenciada pelos países do hemisfério norte, mas um país como o Brasil tem condições de investir em estratégias que incluam tratamentos disruptivos.

Dr. Helio Osmo
MD, MBA e sócio-fundador da Science & Strategy