Numa das últimas ações do Executivo do governo passado, foi sancionada a Lei 14.313/22, a qual a CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) dá mais transparência às suas decisões e maior participação da classe médica, dando voto para a AMB (Associação Médica Brasileira).
Novo decreto editado pelo executivo atualizou o funcionamento e o processo administrativo da CONITEC. A maior mudança ocorreu na estrutura e formação do Plenário, que deixará de existir e será dividido em três comitês por eixos temáticos. Além disso, representantes dos Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS), integrantes da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (REBRATS), e da Associação Médica Brasileira (AMB) ganham espaço e direito a voto na Comissão. O CFM (Conselho Federal de Medicina) já tinha participação.
A CONITEC agora será formada por Secretaria-Executiva e três comitês: de Medicamentos, de Produtos e Procedimentos, e de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT). Não haverá mais plenário e os integrantes atuais poderão se dividir entre os eixos propostos.
A divisão em comitês já é adotada pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE), da Inglaterra, e pela Pharmaceutical Benefits Advisory Committee (PBAC), da Austrália. Essa dinâmica permite especificar, qualificar e diversificar as perspectivas envolvidas no processo de avaliação de tecnologias em saúde, tornando-o mais eficiente, consistente e eficaz.
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Especificamente em relação às doenças ultrarraras, buscou-se estabelecer que a avaliação de tecnologias em saúde para este tipo de condição de saúde seja feita por meio do uso de metodologias específicas para avaliação da eficácia, acurácia, efetividade e segurança e avaliação econômica e de impacto orçamentário.
Desde o protocolo do requerimento da interessada até a decisão final da SCTIE, o processo deverá ser concluído em prazo não superior a 180 dias, contado da data em que foi protocolado o requerimento de instauração, admitida a sua prorrogação por 90 dias. A partir da publicação da decisão de incorporar tecnologia em saúde, ou protocolo clínico e diretriz terapêutica, as áreas técnicas terão prazo máximo de 180 dias para efetivar a oferta ao SUS, admitindo-se sua prorrogação por 90 dias.
No mesmo sentido, a lei determinou que tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela CONITEC deverão ser incluídas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (Rol/ANS) no prazo de 60 dias.
Existe um aspecto nessa mesma lei que abre a possibilidade de incorporação de medicamentos off-label (ou seja, não aprovadas na ANVISA), desde que haja comprovação científica. Aqui abre-se as portas para algo muito perigoso: a incorporação por pressão política, como foi o caso do “kit cloroquina” durante a pandemia do SARS-Cov-2. O SUS pagar por tratamentos não aprovados pela ANVISA é uma temeridade, pois abre a possibilidade de utilizar verbas da saúde em terapias baseadas em opiniões. O tema comprovação científica é amplo e abre a margem para publicações de baixo impacto científico, como foi o caso citado acima.
Pacientes também poderão apresentar individualmente o seu relato na reunião da CONITEC, no espaço “Perspectiva do Paciente”, com a finalidade de oferecer a visão do usuário do SUS ao relatar suas experiências no enfrentamento das mais diversas condições de saúde. A proposta visa estimular a participação social no processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), uma vez que todos os aspectos ligados à vida real trazem considerações importantes para esse processo. Para isso, serão realizadas chamadas públicas. As inscrições poderão ser feitas por pacientes, cuidadores, familiares ou tutores. Qualquer pessoa pode participar, assim como associações de pacientes também podem indicar um representante. No entanto, os interessados deverão ter vivência direta com o tema de interesse.
A partir de agora, a AMB terá direito a participar com voto sobre as decisões de incorporação. A não participação da AMB nos tempos anteriores era uma aberração. Os médicos sempre buscam através da ética o melhor interesse dos pacientes e, por notório saber, a sua opinião é fundamental. Até hoje, não há uma explicação clara para que os médicos não tivessem participação nessas decisões, deixando margem para especulações. A classe médica é a que possui autorização legal para a prescrição de medicamentos, mesmo sendo o médico funcionário do SUS. A AMB designará especialista de cada tema para participar de decisão.
A busca de transparência nas decisões de incorporação pela CONITEC é um anseio antigo da sociedade. Desde a sua criação em 2011, através do decreto 7646, as demandas de incorporação advindas do setor privado eram negadas sem explicações fundamentadas em resultados científicos, parecendo que eram tomadas em portas fechadas. Essa conduta estimulou as incursões judiciais, uma vez que pela constituição de 1988 a população tem direito integral à saúde. O melhor caminho para evitar os mandados judiciais é a transparência e o diálogo entre todos os atores do processo.
A presença dos médicos especialistas indicados pela AMB será de grande valor para as decisões da CONITEC.
Dr. Helio Osmo
MD, MBA e sócio-fundador da Science & Strategy, parceira da NuOn Health