Estudos

Pesquisadores testam novas práticas comportamentais em saúde

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Fonte: Agência Fapesp

O conceito de “Saúde Única” (One Health) – que destaca a relação entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental – tem ganhado espaço nas discussões científicas nos últimos anos. Pesquisadores brasileiros e norte-americanos que adotam essa abordagem apresentaram seus trabalhos semana passada, em Chicago (Estados Unidos), durante a FAPESP Week Illinois.

Um dos participantes do painel foi Eduardo Esteban Bustamante, professor da Universidade de Illinois em Chicago. Ele falou sobre intervenções comportamentais que têm sido testadas para promover a atividade física e a adoção de uma dieta saudável – práticas que, segundo o pesquisador, ainda têm pouca adesão entre os norte-americanos, a despeitos dos evidentes benefícios.

“A porcentagem de norte-americanos que atende às recomendações nutricionais e de atividade física ainda é muito pequena. Entre crianças de 6 a 11 anos, o percentual é de 49% entre meninos e 35% entre meninas. Mas, à medida que crescem, esse índice piora muito, caindo para 7% e 4%, respectivamente, na faixa entre 16 e 19 anos, e estaciona em 3% e 2% a partir dos 60 anos”, contou Bustamante. “Em relação à dieta, a realidade não é muito melhor. Pouco mais de 10% dos adultos norte-americanos com mais de 18 anos consomem rotineiramente frutas e vegetais”, apontou o pesquisador.

A fim de tentar mudar essa realidade, têm sido elaborados e testados no país programas de intervenção comportamental na área de saúde. Só nos últimos anos foram criadas mais de 3 mil práticas de intervenção de atividade física e nutrição baseadas em evidência nos Estados Unidos. Desse total, cerca de 200 estão disponíveis em repositórios públicos com o objetivo de serem usadas pela população, indicou um levantamento feito pelo pesquisador.

“Essas práticas são disponibilizadas em sites públicos. Dessa forma, as pessoas podem obter acesso a elas e seguir corretamente as instruções para se tornar mais ativas e comer mais frutas e vegetais, por exemplo”, disse Bustamante.

O problema, contudo, é que 90% desses programas de intervenção de atividade física cientificamente testados nos Estados Unidos enfrentam dificuldades de disseminação e implementação, que limitam seus potenciais impactos na saúde pública. Um dos fatores que contribuem para isso é a falta de alinhamento com as expectativas das pessoas e com os lugares onde foram planejados para serem implementados, avaliou o pesquisador.

“Já trabalhei com alguns programas de intervenção e um dos problemas que identifiquei é que não se pensou em qual era o público-alvo antes de começarmos e vimos que as pessoas não estavam engajadas em segui-los. Precisamos pensar em como engajar o público-alvo para que, desde o início, nossas intervenções se encaixem e estejam alinhadas com os objetivos dele”, afirmou.

“Também precisamos parar de pensar a nutrição e a atividade física como remédios, que só podem beneficiar a saúde. Elas são atividades que acontecem em um contexto e podemos usá-las para atingirmos os objetivos que quisermos, relacionados ou não à saúde”, ponderou Bustamante.

Com base nessa constatação, o pesquisador e colaboradores começaram a criar e a testar novos programas de intervenção em atividade física em escolas, comunidades e instituições com essa abordagem.

Em um dos projetos, realizado em colaboração com a Universidade da Califórnia Irvine, por exemplo, a atividade física tem sido trabalhada em escolas como meio de aprendizagem de matemática. Para isso, a quadra de basquete de uma instituição de ensino foi redesenhada de modo a ensinar frações e decimais para crianças.

“O resultado é que as crianças, além de receberem todos os benefícios à saúde por estarem fazendo uma atividade física, estão aprendendo matemática de uma maneira muito mais envolvente”, afirmou.

Já por meio de outro projeto, implantado no Chicago Park District, um dos maiores e mais antigos distritos de parques dos Estados Unidos, o esporte e a recreação têm sido usados para desenvolver habilidades de comunicação, emocionais e de resolução de conflitos por jovens em situação de risco.

“O programa atua com jovens que estão no ensino médio. Tentamos conseguir empregos durante o verão por meio dos quais eles permanecem nos parques trabalhando durante esse período e os estimulamos a desenvolver habilidades comportamentais por meio da atividade física”, explicou Bustamante.

Causas multifatoriais
Novas abordagens de intervenção de comportamento da saúde também são vitais para enfrentar a epidemia de diabetes nos Estados Unidos, avaliou Marck Rosenblatt, reitor da Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois.

“Uma em cada dez pessoas nos Estados Unidos tem diabetes. E as causas dessa doença são multifatoriais. Não se deve apenas ao fato de que as pessoas não estão tomando insulina e medicamentos para hiperglicemia, mas também porque a dieta é inadequada e elas não se exercitam”, disse.

“Será necessária uma abordagem multifacetada para tratar esse problema, como intervenções em escolas. Estamos tentando trabalhar com organizações locais para tentar melhorar a qualidade da alimentação e estimular a atividade física, ao mesmo tempo em que estudamos os fundamentos moleculares do próprio diabetes”, afirmou Rosenblatt.

De acordo com o pesquisador, os determinantes sociais da saúde é um tema em que a instituição e o sistema de saúde de Chicago têm se debruçado muito na tentativa de compreender melhor e tentar intervir.

“É humilhante a constatação de que apenas algo em torno de 15% a 20% da saúde de uma pessoa está relacionada com soluções que desenvolvemos em nossos hospitais e clínicas. A saúde das pessoas está mais ligada ao seu CEP, que se correlaciona com uma série de outros fatores, como nível socioeconômico, contexto social e comunitário”, avaliou.

Os riscos ambientais têm um papel fundamental no surgimento de doenças degenerativas e no câncer, sublinhou Leandro Colli, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) apoiado pela FAPESP.

“Sabemos que a causa do câncer não é só genética. Também há uma condição de fatores ambientais muito forte. Podemos intervir nos fatores genéticos de risco, mas também temos de olhar para o ambiente”, destacou.

O pesquisador está conduzindo com colaboradores um projeto voltado a identificar em pacientes com câncer a assinatura mutacional – um conceito surgido nos últimos anos por meio do qual é possível olhar a mutação celular e tentar recapitular os agentes que deram origem a ela.

“Estamos iniciando um projeto por meio do qual estamos acompanhando uma série de pacientes para tentar entender melhor os fatores de risco para mutações que dão origem ao câncer, como o tabaco, a exposição à radiação solar e à fuligem da queima de cana na região de Ribeirão Preto”, contou Colli.

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