Fonte: NK Análise, parceiro do portal NuOn Health
Em 1º de janeiro de 2023, 12 anos depois de deixar o poder, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subirá outra vez a rampa do Palácio do Planalto e dará início ao seu terceiro mandato como Presidente da República. Aos 77 anos, o petista governará um país dividido, fruto da eleição presidencial mais acirrada da história da democracia brasileira, na qual ele venceu Jair Bolsonaro (PL) por uma diferença de 2,1 milhões de votos – 60,3 milhões contra 58,2 milhões (50,9% a 49,1%). Lula terá como maior desafio da carreira amenizar os ânimos pelo Brasil, formar uma base parlamentar, promover reformas, assegurar o crescimento da economia e reduzir a miséria. A seguir, considerações sobre o futuro governo Lula.
Cenário pós-eleição
O cenário interno para Lula é mais adverso do que o encontrado há 20 anos, quando se elegeu presidente pela primeira vez. O arco de alianças, a votação expressiva de Bolsonaro e o perfil conservador do Congresso Nacional empurram o terceiro governo Lula para o centro. O presidente eleito deseja dar visibilidade a temas de equidade de gênero e racial, mas o foco da gestão estará na economia e na redução da pobreza. Diante de uma oposição barulhenta e sob desconfiança dos militares, Lula terá pouco espaço para erros, em especial na questão ética. Uma denúncia no novo mandato certamente provocará dificuldades de governabilidade em razão de casos passados, como o Mensalão e o Petrolão (que resultou na prisão do ex-presidente, condenação posteriormente anulada pelo STF).
Já o cenário internacional é favorável a Lula. Diferentemente do atual presidente Jair Bolsonaro, Lula tem bom trânsito com líderes internacionais. Reflexo disso foram as mensagens e telefonemas recebidas já nas horas seguintes à confirmação da vitória. O presidente eleito foi parabenizado por chefes de Estado de todo o mundo e já planeja extensa agenda de viagens para o mandato.
Transição
Os quase dois meses de transição representam período fértil de ideias e nomes lançados na imprensa a fim de testar a receptividade. Foi Lula que escolheu o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, para coordenar a equipe de transição de governo.
A lei permite que o candidato vitorioso monte essa equipe, com 50 cargos remunerados e de livre nomeação, além de voluntários, para ter acesso aos dados da administração pública. Bolsonaro não pretende participar da transição e seus apoiadores manterão o discurso de contestação do resultado da eleição.
As nomeações da equipe de Lula devem sair nos próximos dias. O time utilizará a estrutura do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília. Lula pode ir a Brasília nesta semana, na primeira viagem à capital após a vitória. Sua equipe planeja encontros com presidentes de tribunais superiores e com Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes da Câmara e do Senado.
Mais ministérios
Lula ainda não definiu o número de ministérios, mas projeta-se que possa aumentar dos atuais 23 para 33. A Economia deve ser desmembrada em três pastas: Fazenda, Planejamento e Indústria. O petista recriará o Ministério da Cultura e terá pastas de Igualdade Racial e Povos Originários (indígenas e quilombolas). Lula defendeu criar a pasta da Segurança Pública, porém há quem defenda manter na Justiça.
O presidente eleito ainda não anunciou oficialmente os nomes dos futuros ministros, mas aposta-se que figuras como Fernando Haddad, Aloizio Mercadante, Simone Tebet e Márcio França terão cadeiras de ministros. A definição mais aguardada é a da equipe econômica, se ela será chefiada por um especialista ou por um político. A preferência no momento é por um nome político. O mercado, por sua vez, espera que o escolhido seja alguém moderado.
Congresso Nacional
Lula encontrará um Congresso com perfil de centro-direita, mas que, em sua maioria, seguirá interessado nos cargos e verbas liberados pelo Planalto. O petista dependerá do Centrão e terá dificuldade de aprovar pautas progressistas. Na Câmara, sua coligação soma 122 das 513 cadeiras, número que nem sequer barra um processo de impeachment. O presidente eleito já conversa com MDB, PSD e PDT, o que lhe daria cerca de 220 deputados. O MDB, por exemplo, condiciona o apoio à tentativa de aprovar uma reforma tributária.
Para ter governabilidade e aprovar emendas à Constituição, Lula precisará atrair União Brasil, Republicanos, PP e até parte do PL de Bolsonaro, que elegeu 99 deputados. Ou seja, o novo governo petista terá dificuldade de aprovar mudanças radicais. Será necessária muita negociação política para que uma proposta idealizada por Lula e seus ministros seja aprovada passe pela Câmara e, principalmente, pelo Senado.
Um dos pontos centrais na Câmara é a relação com Arthur Lira, atual presidente da Casa e aliado de Bolsonaro. Lula sinalizou que não pretende interferir na tentativa de reeleição de Lira. Já no Senado, em relação à presidência da Casa, Lula deve apoiar a reeleição de Rodrigo Pacheco, atraindo a bancada do PSD. O petista dará espaço ao MDB de Renan Calheiros (AL). Assim, poderá ter ao menos 35 dos 81 senadores na sua base, mas precisando ainda do apoio do Centrão. A maior bancada será a do PL, que ficará na oposição.
Bancada do Senado Federal em 2023: PL (14), PSD (11), União Brasil (10), MDB (10), PT (9), PP (6), Podemos (6), PSDB (4), Republicanos (3), PDT (3) e outros partidos (5).
Judiciário
Lula fará duas indicações para o Supremo Tribunal Federal (STF) no primeiro ano de mandato em razão das aposentadorias de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. A relação será mais cordial com o STF na comparação com Bolsonaro, que incentivou atos que pediam o fechamento do tribunal. A força de Lula para negociar com o Congresso passa pelo futuro das chamadas emendas de relator, o orçamento secreto, cuja legalidade está em análise no STF. Há expectativa de que a Corte se manifeste ainda neste ano.
Orçamento e teto de gastos
Lula escalou o senador eleito Wellington Dias (PT-PI) para negociar no Congresso a aprovação do orçamento de 2023. Especialistas entendem que a proposta enviada por Bolsonaro foi baseada em indicadores frágeis e não contempla espaço para atender as promessas de campanha do presidente eleito, que somam cerca de R$ 175 bilhões. A conta envolve a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, a correção da tabela do Imposto de Renda de pessoa física (isenção até R$ 5 mil mensais), a manutenção da desoneração dos combustíveis e o reajuste do salário-mínimo acima da inflação. O novo governo deseja dar ganho real de 1,3% ou 1,4% em 2023 com a adoção de uma fórmula que contempla a inflação do ano, mais a média do crescimento do PIB nos últimos cinco anos.
A equipe de Lula agora discute a aprovação de uma emenda à Constituição de transição, um aval para bancar despesas fora do teto. Esse tema dominará o Congresso nos próximos 40 dias. Lula também pretende modificar a regra do teto de gastos, que limita os gastos do governo, corrigidos pela inflação do ano anterior. Bolsonaro driblou o teto ao longo do mandato, o que tirou a credibilidade da regra. Auxiliares do presidente eleito defendem um sistema de metas anuais de superávit, discussão que será travada junto com as ideias de reformas tributária e administrativa.
Petrobras
A gestão da Petrobras será um dos pontos mais delicados para o novo governo graças ao histórico petista de ingerência nos preços dos combustíveis e de obras superfaturadas. Qualquer erro poderá desestabilizar o governo. A política de preços, com a paridade de preços com o mercado internacional, tende a ser modificada. Por ora, o senador Jean Paul Prates (PT-RN), que trabalhou no setor de óleo e gás, é o nome mais cotado para comandar a estatal.
Saúde
Lula pretende reorganizar o Ministério da Saúde, cujo orçamento é considerado aquém das necessidades da pasta. Ele promete melhorar a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e zerar as filas de cirurgias, consultas e exames não realizados durante a pandemia. O presidente eleito defende retomar as grandes campanhas de vacinação e terá de reestruturar o programa Farmácia Popular. A falta de remédios é um problema grave. O novo governo planeja lançar um programa similar ao Mais Médicos, mas sem os profissionais cubanos, para ampliar a atenção primária, principalmente em localidades de difícil acesso.
Em relação ao comando da Saúde, a expectativa inicial era que o ministério ficasse com um nome do PT, uma vez que o tema teve grande atenção durante o governo de Bolsonaro durante a pandemia. Nos primeiros dias após a eleição, no entanto, notícias dão conta de que a pasta pode ter o ministro indicado pelo vice, Geraldo Alckmin. Há pelo menos setes nomes já comentados para assumir o Ministério da Saúde: Alexandre Padilha, Arthur Chioro, David Uip, Humberto Costa, José Gomes Temporão, Ludhmila Hajjar e Margareth Dalcolmo.
Educação
Lula também pretende dar atenção especial ao Ministério da Educação, que teve cinco titulares e tornou-se foco de suspeitas de corrupção no governo Bolsonaro. O presidente eleito precisa aumentar o orçamento para compra de merenda escolar e discutir a renovação da política de cotas raciais nas universidades.
Lula incorporou a proposta de Simone Tebet (MDB) de criar uma poupança de R$ 5 mil para jovens de baixa renda que terminarem o ensino médio. Lula ainda pretende recompor o sistema nacional de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico por meio de fundos e agências públicas, como o FNDCT, o CNPq e a Capes.
Social
O presidente eleito mais uma vez dará importância às políticas destinadas à redução da miséria. Segundo a FGV Social, o Brasil encerrou 2021 com cerca de 14% da população na pobreza extrema, quase 31 milhões de brasileiros com renda domiciliar per capita até R$ 281. O novo governo assumiu o compromisso de manter o pagamento mínimo de R$ 600 por família do Auxílio Brasil, que pode voltar a ser chamado de Bolsa Família. Contudo, o programa deve passar por mudanças para focalizar melhor a aplicação do dinheiro. Dados do Ministério da Cidadania mostram salto no pagamento a famílias de uma pessoa (de 15,2% para 25,8% dos beneficiados), o que sugere que membros de uma mesma família podem estar fazendo cadastros separados para receber mais de um benefício.
Agricultura e Meio Ambiente
Lula terá de arrefecer a rejeição que tem no agronegócio, que apoiou de forma massiva o presidente Bolsonaro. O petista fala em fortalecer a Embrapa, retomar grandes programas de compras públicas da agricultura familiar e investir na produção local de insumos, máquinas e implementos. Um desafio é, diante do orçamento apertado, assegurar subsídio suficiente para bancar taxas de juros reduzidas para o financiamento da safra.
O novo governo reforçará, junto aos produtores, a importância da preservação ambiental, já que EUA e China avaliam se inspirar na legislação europeia que proíbe a importação de commodities ligadas a desmatamento. O presidente eleito deve participar ainda este mês da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP-27), que acontecerá no Egito. Lula, que refez a aliança com Marina Silva, prometeu na campanha trabalhar para zerar o desmatamento até 2030. A expectativa é grande na comunidade internacional. Noruega e Alemanha planejam retomar o Fundo Amazônia, e outros países podem colaborar com a preservação.
Poder nos estados
As eleições para governadores deixaram PT e União Brasil com o maior número de estados administrados (quatro cada), seguidos por MDB, PSB e PSDB (três). O PT se manteve como principal força no Nordeste (BA, PI, CE e RN).
Um ponto importante, em relação aos estados, é que os três com maior população serão administrados por governadores alinhados com Bolsonaro. Em São Paulo, com Tarcísio de Freitas, o maior estado do país passará por um rearranjo que levará ao Republicanos parte da estrutura antes do PSDB paulista.
Futuro de Bolsonaro
Em comparação ao primeiro turno, Bolsonaro teve um acréscimo de 7 milhões de votos no segundo turno (enquanto Lula aumentou sua votação em 3 milhões de um turno para o outro). O atual presidente poderia ter conquistado a reeleição, mas ficará o registro de ter sido o primeiro a não conseguir renovar o mandato. Na primeira manifestação, 45 horas após a derrota, Bolsonaro não citou Lula e não reconheceu o resultado, apesar de ter autorizado o início do processo de transição. Bolsonaro chancelou as manifestações no país, mas pediu o desbloqueio de rodovias.
Antes mesmo de encerrar o governo, ele iniciou a campanha para a eleição presidencial de 2026. Com a força de quem recebeu 58 milhões de votos, tem o desafio de se manter como principal líder de direita no país, já que outros políticos tentarão se viabilizar na oposição ao PT, entre os quais, o senador eleito Sérgio Moro (União-PR) e os governadores reeleitos Romeu Zema (Novo-MG), Eduardo Leite (PSDB-RS) e Ratinho Junior (PSD-PR). Aliados do presidente, inclusive, apostam que o governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas, poderá concorrer ao Planalto. Bolsonaro tende a ser um líder de oposição agressivo e polêmico, capaz de mobilizar massas nas ruas e de desestabilizar o governo Lula. Por isso, planeja viajar pelo Brasil nos próximos anos para encontros com seus apoiadores.