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O desafio de falar e desenvolver programa para o enfrentamento do câncer

Por Prof. Carmino Antonio De Souza

Há alguns dias, participei do lançamento do livro “O Dilema de Pi – Desafios no caminho do paciente com câncer no Brasil”, de autoria do jornalista Octávio Nunes, da Fontenelle publicações. Conheci o Octávio há poucas semanas, quando discutimos a execução de um evento a respeito do futuro do SUS no médio e longo prazo. No momento em que estou escrevendo este texto ainda não organizamos o conteúdo do evento. Entretanto, o Octávio me convidou para o lançamento de seu livro, que aborda um tema que me é muito caro: como enfrentar o câncer e como organizar e tornar mais ágil e competente nossa rede de saúde para este fim.

O contexto epidemiológico do câncer no mundo é muito grave. O número de casos de câncer não será reduzido, independente do que façamos. A vacina contra o HPV é a única ação que pode prevenir os tumores do colo uterino, anorretais e, eventualmente, penianos. Apesar de importantes, estes tumores são uma pequena fração de todo o espectro de tumores humanos existentes. A frase que vou usar é dura, mas absolutamente real: metade dos habitantes da terra, se levarmos em conta a vida de maneira atuarial, tem ou terá câncer em algum momento.

A parte boa, é que 70% dos tumores poderão ser curados com as medidas existentes no momento. A imagem que o autor coloca sobre o comportamento e sentimento de uma paciente com câncer é absolutamente real. Em muitos momentos, os pacientes se sentem absolutamente “perdidos” e não sabem como e a quem recorrer. É a imagem do menino dentro de um barco em alto mar e compartilhando o pequeno espaço com um tigre feroz (no caso, o câncer).

Leia sobre o lançamento do livro:
Jornada do paciente com câncer é tema de debate com lideranças do setor

Eu tenho, onde posso, defendido que o Brasil deve urgentemente implantar um programa nacional de enfrentamento ao câncer. Falar em câncer não é só e exclusivamente, tratar o câncer. Devemos abrir um enorme leque de temas que vão desde as práticas saudáveis de vida; ações de melhoria do meio ambiente; medidas de monitoramento e ações epidemiológicas, como a implantação de registros de base populacional de câncer; medidas de diagnósticos e monitoramento modernos e acessíveis (como os métodos moleculares); rastreamento no âmbito da rede de atenção básica dos tumores de maior prevalência; diagnósticos precoces com encaminhamentos automáticos aos especialistas; disponibilidade de tratamentos convencionais e inovadores (dentro do estado-da-arte) e próximos às residências dos pacientes; acesso a tratamentos complexos para os casos mais graves ou de maior necessidade de vários profissionais e medidas terapêuticas; programas de seguimento de médio e longo prazo dos casos já tratados com tratamentos adequados de “salvamento” para as recaídas e progressões e, finalmente, tratamento paliativos para os casos sem opções terapêuticas válidas.

Impressionante quantas ações podem e devem ser desenvolvidas para dar segurança e confiança à sociedade, aos pacientes e aos seus familiares. De maneira muito reduzida, tenho preconizado a criação de centro integrados de câncer distribuídos de maneira inteligente e estudada através do país, diminuindo o sofrimento das viagens e do isolamento do paciente de sua família e comunidade. Temos modelos como o ICESP, Barretos, INCA, AC Camargo, dentre outros que poderiam apoiar e orientar estas instalações e organização de redes.

Temos que trabalhar na rede de atenção básica para que os profissionais “pensem” em câncer e proponham ações de prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce. Em certas circunstâncias, o monitoramento do paciente já tratado pode voltar e se monitorado na rede AB. Outro aspecto fundamental é reduzir os abismos entre os países desenvolvidos e o Brasil e, mesmo no Brasil, reduzir a distância entre o atendimento público e privado.

Devemos buscar, obstinadamente, a equidade nas ações contra o câncer, tanto no diagnóstico quanto nos tratamentos. Enfim, temos, do lado de nós profissionais de saúde e dos sistemas de saúde, um enorme trabalho a ser feito. Como já disse, o número de casos não se reduzirá. Temos que organizar e garantir acesso com qualidade para a sociedade e para os pacientes. Precisamos que o paciente confie nos profissionais e no sistema. Com isto, talvez, possamos reduzir ou mesmo eliminar “O dilema de Pi”.

*Prof. Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo, em 2022.

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