Tobacco industry aims for VAPERs release. Health agency (Anvisa) resists against the pressure. Until when?
No início de maio, um movimento sem precedentes mobilizou o Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e outras 50 sociedades e entidades médicas para blindar uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) de 2009 que proíbe, no Brasil, a comercialização, importação e propaganda de quaisquer Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), popularmente conhecidos como cigarros eletrônicos ou vapers.
A pressão dos fabricantes de dispositivos e da indústria do tabaco, por meio de agentes com livre trânsito em alguns órgãos do governo, fez a ANVISA restabelecer o debate a respeito do marco regulatório sobre o tema definido na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)- n0 46/2009.
Em seu posicionamento público em defesa da manutenção da norma, o CFM destaca que os DFEs “possuem altos índices de nicotina e de outras substâncias nocivas em sua composição, causam dependência química e podem levar a milhões de pessoas ao adoecimento e à morte”.
Diferentemente do cigarro convencional, o processo de combustão dos DEFs é feito por meio de uma bateria recarregável que aquece uma substância liquida que contém nicotina e produz o vapor a ser inalado. Embora, proibido no Brasil, o consumo desse tipo de produto vem aumentando consideravelmente. A mobilização das sociedades médicas se justifica à medida em que os vapers tendem a ser tornar uma questão de saúde pública dada à gravidade do problema.
Em um país livre e democrático, é legítimo debater quaisquer temas desde que os argumentos sejam relativamente plausíveis ou revertam em algum benefício para a sociedade. Mas quem teria argumentos e impudência suficientes para pleitear junto a uma das mais influentes e reconhecidas agências sanitárias do mundo a liberação do uso de cigarros eletrônicos, altamente associados ao tabagismo, que segundo as sociedades médicas, é causador de doenças como o câncer de pulmão e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), caracterizada por enfisema pulmonar e bronquite crônica?

Nos Estados Unidos, de acordo com o CDC – Centers For Disease Control and Prevention-, órgão de controle e prevenção de doenças do governo norte-americano, cerca de 40 milhões de adultos fumam cigarros e pelo menos 3 milhões de estudantes do ensino fundamental usam algum produto de tabaco, incluindo os cigarros eletrônicos. Ainda em 2019, o CDC identificou cerca de 3 mil casos de EVALI (lesão pulmonar associada ao cigarro eletrônico, em tradução livre), e 47 mortes. No Brasil, 7 casos teriam sido identificados e pelo menos 600 mil pessoas seriam consumidoras dos vapers, estimam as autoridades de saúde.
Nos Entificados e pelo menos 600 mil pessoas seriam consumidoras dos vapers, estimam as autoridades de saúde.
Para os que têm interesse na liberação do uso de cigarros eletrônicos, o mercado ainda é incipiente. O produto está presente em 77 países e o Brasil tem enorme potencial para entrar nessa lista por seu nível de consumo, dimensões geográficas e tamanho da população. A presença de novos entrantes no mercado, com métodos aparentemente heterodoxos de atuação, estaria contribuindo para aumentar a pressão para flexibilizar a norma hoje existente que restringe o uso dos DFEs no País, mas as indústrias do tabaco com larga e sólida presença no mercado brasileiro também fazem coro para pressionar a ANVISA.
Com relação à falta de pudor em propor uma mudança que iria drasticamente contra à ideia de preservação da saúde do cidadão, esta, parece não ter limites. Fabricantes dos dispositivos e industrias de tabaco dizem que “produtos sem fumaça” seriam menos nocivos à saúde” e poderiam ser uma alternativa para que fumantes inveterados de cigarros pudessem se libertar do vício usando como terapias de substituição os tais vapers.
Mas por trás da mensagem-chave dos interessados em sensibilizar as autoridades e a sociedade brasileira, há uma lógica econômica que tem a ver com a estratégia de mercado: forçar o aumento do consumo de DEFs como forma de compensar a queda do consumo de cigarros convencionais nos últimos anos.
Se isso faz sentido, do ponto de vista institucional e de políticas públicas, o que faríamos com o título conquistado pelo Brasil de referência global no combate ao tabagismo que o fez reduzir em 40% o número de fumantes? O País tornou-se um exemplo para o mundo ao adotar medidas de controle do tabaco estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em diversas áreas como publicidade, propaganda, preços e cobrança de impostos.
A contribuição das sociedades e das entidades médicas vai muito além da preservação da merecida conquista do Brasil. Pretende aliviar a pressão sobre o nosso órgão regulador da saúde e preservar a sua independência. Entretanto, as instituições sabem que, sem campanhas de esclarecimentos sobre os malefícios do uso dos cigarros eletrônicos; o apoio do Congresso Nacional na elaboração e preservação das leis; e do próprio governo para reforçar os mecanismos de controle e fiscalização, especialmente em relação ao contrabando dos dispositivos eletrônicos, os esforços serão em vão frente ao poderio bélico da indústria do tabaco.
A arma, por enquanto, é o diálogo por meio de audiências públicas que vão permitir à sociedade se manifestar sobre os prejuízos e os riscos à saúde, especialmente dos nossos jovens.