fbpx
Acesso

Medicina Translacional: acesso a novas terapias depende de regulação ágil

A medicina translacional é usada indistintamente com um princípio unificador de que o objetivo final é melhorar a saúde humana através de uma abordagem “da bancada para o leito”.

Em um sentido amplo, a medicina translacional estabelece pontes entre o espectro da descoberta, desenvolvimento, regulamentação e acesso. Pode incluir a aplicação de descobertas de pesquisa de genes, proteínas, células, tecidos, órgãos e animais à pesquisa clínica em populações de pacientes, tudo com o objetivo de otimizar e prever resultados em populações específicas.

A pesquisa translacional surgiu com o objetivo de reduzir o tempo entre a pesquisa básica e a sua aplicação clínica. Para os medicamentos, esse tempo pode levar de uma a duas décadas, o que denota a necessidade de se avaliarem possíveis barreiras que poderiam ser evitadas.

A busca pela otimização do tempo entre a pesquisa básica e a aplicação clínica de seus resultados tem sido tema de crescente interesse. Nessa perspectiva, a pesquisa translacional surgiu como nova vertente para integração do conhecimento, visando promover o acesso de produtos, políticas e práticas aos potenciais usuários e possibilitar a aplicação prática do conhecimento gerado por pesquisas.

Todavia, há também uma interpretação que vai além da disponibilização do produto no mercado, englobando o acesso da população a esses medicamentos, às mudanças nas condutas de saúde com a adoção de protocolos de prática clínica e à avaliação do verdadeiro impacto gerado na saúde das pessoas.

A jornada que antecede a disponibilidade e o acesso aos medicamentos pela sociedade é longa. Em linhas gerais, inicia-se pela necessidade de alterar o curso de uma patologia, passa pela investigação e testes in vitro em modelos de laboratórios, avança para as etapas de estudos pré-clínicos e clínicos para demonstrar segurança e eficácia e, ao final, submete o pedido de registro para análise e aprovação pela autoridade sanitária reguladora. Depois disso, em cada país a jornada é diferente, o processo de incorporação, seja no setor público ou privado, passa por mais um processo regulatório.

Atualmente, a indústria farmacêutica investe US$ 91 bilhões para o desenvolvimento de fármacos inovadores, sendo que 70% são de novas classes terapêuticas. Para drogas órfãs, são 1.135 projetos, sendo 10% para doenças raras¹.

Na mesma linha, a Pharmaceutical Research and Manufacturers of America – PhRMA (associação que representa as indústrias farmacêuticas nos Estados Unidos) estima que leva, em média, de 10 a 15 anos desde a P&D até a aprovação pelo FDA, sendo que apenas 12% dos medicamentos experimentais que entram em ensaios clínicos são aprovados pela FDA¹. Ressalta-se que muitos fatores interferem na estimativa de tais tempos, como, por exemplo, o tipo do medicamento (sintético, biológico, entre outros) e a indicação clínica em questão (oncologia, endocrinologia, infectologia etc.)¹. Ao tempo anteriormente descrito, soma-se, ainda, o prazo para que evidências de pesquisa sejam aplicadas, efetivamente, no dia a dia da prática clínica, cuja estimativa da literatura é de 17 anos².

Mas se no mundo os avanços que aceleram os prazos estão em constante aperfeiçoamento, há de se dizer que esses ganhos acontecem mesmo com o aumento e refinamento da vigilância da qualidade dos dados e segurança dos pacientes. No Brasil, entretanto, os gargalos são peculiares.

Pesquisa Básica
Na pesquisa básica, como há pouco investimento público, são necessárias parcerias entre as universidades e o setor privado. Exemplos claros e evidentes no desenvolvimento de novos fármacos nos Estados Unidos, Europa, Japão, Coréia do Sul e Israel. Há forte migração de jovens cientistas brasileiros para esses locais.

Pesquisa Clínica
No campo da Pesquisa Clínica, o Brasil comprovou seu forte potencial na pandemia do SARS-Cov2 com fármacos desenvolvidos fora do país. Fora da pandemia, a realidade desmotiva a chegada de mais pesquisas devido a um breque regulatório inexplicável. A CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) foi criada em pela Resolução CNS 196-66 com atribuição de fazer o exame dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, bem como a adequação e atualização das normas atinentes. O grupo decisor da CONEP é selecionado a partir de listas indicativas elaboradas pelas instituições que possuem Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), registrados na CONEP, sendo que 07 (sete) são escolhidos pelo Conselho Nacional de Saúde e 06 (seis) são definidos por “sorteio”. A CONEP até hoje nunca teve um especialista em farmacologia clínica no grupo plenário. A CONEP possui um grupo decisor formado por pessoas que não são ligadas à ciência e tem um forte viés político. Na prática, o Brasil virou um pária científico nessa fase do desenvolvimento de fármacos, em nome de bandeiras políticas avessas a um setor que entrega curas. Uma pesquisa clínica normalmente deveria ser autorizada em menos de três meses, mas pode levar dois anos, tempo que as empresas descobridoras do fármaco julgam inadmissível.

Da Pesquisa Clínica para a aprovação da ANVISA
Há um tempo definido de 90 dias para a aprovação de um novo medicamento, conforme a Lei 13.411 de 28 de dezembro de 2016 (marco legal), mas na prática leva até 18 meses. Esse tempo pode ser abreviado, conforme resolução RDC 204-2017 para medicamentos considerados prioritários, para 60 dias, mas na prática leva de 6 a nove meses. A alegação da ANVISA é que não possui pessoal suficiente para fazer uma análise adequada. Depois disso, o medicamento passa pela aprovação do preço requerido pelo detentor do registro. O preço de um medicamento é regulado no Brasil, ou seja, precisa ser previamente aprovado pela CMED. O órgão regulador CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) pertence à ANVISA e foi criado através da Lei 10.742 de 6 de outubro de 2003. A detentora do registro submete um dossiê justificando o preço do medicamento de acordo com regras definidas. Normalmente, a decisão leva 90 dias.

Da aprovação do preço pela CMED à incorporação no SUS
Esse é um item que pode render um livro. O exemplo de como a falta de regras claras gera imprevisibilidade e insegurança por parte dos fabricantes de medicamentos em relação ao Brasil. Um item que também engloba o tendão de Aquiles do Ministério da Saúde é a judicialização. Mas já que nesse momento estamos falando de prazos, o órgão regulador que julga a incorporação de medicamentos no SUS é a CONITEC, que leva aproximadamente 1 ano para julgar uma solicitação. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), criada pela Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011, é um órgão colegiado de caráter permanente, integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde e tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de tecnologias em saúde, bem como na constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDT).

A CONITEC é vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), do Ministério da Saúde, o qual é responsável pela incorporação de tecnologias no SUS e assistida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS). O colegiado da CONITEC é, assim como a CONEP, altamente politizado e sensível a influências. As discussões no plenário giram em cima de assuntos técnicos em torno de economia de saúde, entretanto as decisões parecem ser tomadas fora da mesa de discussão, geralmente negativas para a incorporação. Caso o medicamento seja aprovado, a CONITEC convoca um grupo ad hoc, agora sim, de cientistas, para criar ou modificar o protocolo oficial do SUS sobre a assistência à doença que o medicamento se propõe a tratar. É a chamada PCDT (Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas). Uma nova PCDT também leva em média um ano para ser publicada. Mas a novela não acaba aqui. A compra do medicamento pelo SUS depende da existência fundos no orçamento do Ministério da Saúde.

Sendo pragmático, desde o pedido de registro até a incorporação no SUS, o tempo mínimo para um medicamento chegar ao usuário é, passando por todas as fases, de aproximadamente cinco anos. Se no mundo, a medicina translacional encontra barreiras técnicas que vem sendo vencidas, no Brasil há muito que se avançar nos aspectos regulatórios. O mundo está em frenética mudança e os recursos digitais impõem uma mudança de mentalidade, constante capacitação e uma visão voltada para trabalhar em prol dos interesses dos pacientes.

Helio Osmo
MD, MBA e sócio-fundador da Science &Strategy, parceira da NuOn Health

1 – Pharmaceutical ResearchandManufacturersof America. Innovationin biopharmaceutical pipeline [internet]. [acesso em 2022dez01]. Disponível em: executive_summary_2-pager_v5.pdf (phrma.org)
2 – Morris ZS, Wooding S, Grant J. The answeris 17 years, whatisthequestion: understanding time lags in confortranslationalresearch. J R Soc Med. 2011; 104:510- 20.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *