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Medicina

Mais médicos, menos médicos

Em 2013, como tentativa de suprir o déficit de médicos nos municípios mais carentes e remotos desse imenso Brasil e, ao mesmo tempo, oferecer a assistência e o atendimento a milhões de brasileiros, o então governo Dilma criou o programa Mais Médicos. A proposta de distribuir os profissionais conforme a necessidade de cada região do País veio acompanhada de ampliação da licença de novos cursos de medicina privilegiando regiões desassistidas para forçar a fixação dos profissionais nesses locais.

O programa chegou a ter cerca de 18 mil médicos atuando em lugares onde não havia profissionais suficientes, ainda que a fixação deles dependesse menos da capacidade de adaptação de cada um e muito mais da falta de remuneração adequada, condições de trabalho e infraestrutura, conhecimento técnico-científico e disponibilidade e acesso a recursos tecnológicos.

Aos olhos dos apoiadores do governo da época a ideia, além de minimizar o déficit de profissionais nas áreas carentes, seria uma forma de resolver a questão da concentração de médicos profissionais e recém-formados nas regiões mais desenvolvidas do País, como Sul e Sudeste. Mas a proposta de trazer cubanos para compor o quadro de médicos atuantes no interior do País, despertou a ira dos críticos de plantão que acusaram o governo de favorecer Cuba por meio de uma manobra até hoje pouco esclarecida.

Pelo “arranjo institucional”, o convênio entre os dois governos gerava muita desconfiança uma vez que governo brasileiro contratava os médicos cubanos e, estes, que chegaram a um número de 11 mil em um determinado momento, ao contrário de serem remunerados adequadamente por seus serviços, recebiam uma ínfima parte dos seus salários. O restante, era transferido com a agilidade de um pix na conta do governo cubano que, em tese, seria o prestador do serviço como exportador de expertise médica para o Brasil.

Em 2019, o governo Bolsonaro desarticulou o programa Mais Médicos na tentativa de eliminar qualquer vestígio político da antecessora substituindo-o por um outro, de nome não muito diferente: Médicos pelo Brasil. Pelo novo projeto, Médicos do Mais Médicos poderiam ser reaproveitados no Médicos pelo Brasil por meio de um novo processo seletivo. Por sua vez, médicos cubanos, só poderiam permanecer em território nacional, e atuando como profissionais, se passassem por uma prova de revalidação do diploma.

Passados esses anos, nenhuma das medidas surtiu o efeito esperado. O impacto político se diluiu, provavelmente por falta de consistência das duas propostas e o problema de carência de médicos nos lugares mais distantes e necessitados permanece intacto, sem solução aparente.

Ao contrário de se fixarem nos lugares onde estudam, os médicos recém-formados fogem para os grandes centros urbanos onde as condições de trabalho e possibilidade de desenvolvimento de carreira são infinitamente maiores que nas regiões menos desenvolvidas. Hoje, alguns Estados, como os do Norte do País, perdem até 60% dos recém-formados para as regiões onde a medicina está mais avançada e os recursos são amplos.

Entidades como a Associação Médica Brasileira (AMB) alertam para o efeito retardado da medida tomada pela Lei do Mais Médicos, lá de 2013, que restringia a abertura de cursos de medicina somente às regiões necessitadas. O objetivo era fazer com que estudantes que se formassem nessas instituições permanecessem nos locais para suprir a falta de profissionais e pudessem desenvolver carreira atendendo melhor a população.

Entretanto, grandes organizações de ensino estariam em disputa para ampliar a concentração de médicos nas regiões consagradas como Sul e Sudeste para onde, aparentemente, continuam indo os recém-formados. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e centenas de instituições de ensino passaram a requerer, por meio de liminar, o direito de abrir novas vagas em faculdades de medicina sem obedecer aos critérios da moratória, instituída por um outro governo, o do Temer, que impedia a autorização de abertura de novas vagas nas faculdades de medicina até abril de 2023.

Em suma, o cenário mudou para pior. O Mais Médicos se diluiu antes do próprio governo Dilma e os cubanos retornaram ao país de origem sem terem conseguido fazer a diferença. O programa do Bolsonaro, Médicos pelo Brasil, pelas circunstâncias, deveria receber um novo nome: Médicos para algumas regiões do Brasil. E a medida de congelamento das vagas do Temer está sendo olimpicamente atropelada pela judicialização, tendo o STF como protagonista, mais uma vez.

Portanto, para o Brasil real, mais médicos, médicos pelo Brasil, que nomes tenham ou ainda venha a ter, podem significar, na verdade, ainda menos médicos para a já esquecida população carente do País, uma vez que a concentração de médicos continua exatamente onde sempre esteve.

Octávio Nunes

é jornalista especializado em saúde