Acesso

Estratégias regulatórias para acelerar o acesso a medicamentos para doenças raras

No Brasil, uma doença é considerada rara quando a prevalência é inferior a 65 pacientes para 100.000 habitantes, ou seja, aproximadamente 140.000 pacientes no Brasil numa população de 212 milhões. Entretanto, o caminho regulatório para aprovação de um medicamento novo, que atende a uma necessidade não atendida, segue as mesmas regras de um medicamento que possui milhões de pacientes. Mas como tratar esse fato em relação a algumas peculiaridades dessas doenças, como:

1 – Os pacientes têm urgência para receber tratamentos pois a vida é curta. Portanto, devem ser reduzidos os prazos para análises e considerar aprovar ainda que provisoriamente na Fase 2 de desenvolvimento.

Leia mais:
A tuberculose e os planos do Ministério da Saúde
Mais transparência às decisões da CONITEC

2 – Os modelos atuais das pesquisas clínicas prejudicam a viabilidade de suas conduções, pois, em estudos clínicos de doenças raras há:

– Número pequeno de pacientes em relação aos grandes “trials”, obviamente porque a doença é rara;

– Um conhecimento limitado da evolução da doença – os especialistas aprendem muito com cada paciente e a história natural pode ser pouco conhecida;

– Uma variabilidade do quadro clínico – doenças genéticas podem ter outras mutações além da principal e uma mesma mutação pode ter quadros de diferentes gravidades;

– Uma dificuldade maior em estabelecer desfechos, pois muitos desfechos não são validados cientificamente.

3 – Os modelos de pagamento atuais causam grande impacto na sustentabilidade do sistema.

Os três tópicos mencionados acima necessitam de muito diálogo entre os stakeholders envolvidos e as autoridades, sejam elas reguladoras, sejam elas pagadoras. Não se pode sentar à mesa acreditando que doença rara é um problema dos outros. São vidas caras aos parentes e se não houver forma de aumentar o tempo de vida, ao menos proporcionar melhor qualidade.

Em relação ao primeiro item, a documentação precisa passar por uma análise acelerada, pois os pacientes têm pressa e qualquer recurso ajuda.

O segundo e o terceiro itens são bem mais complexos e é necessário quebrar paradigmas.

O desenho dos estudos clínicos precisa ser revisto, pois os desenhos atuais não atendem os padrões das agências reguladoras, principalmente em relação ao estabelecimento de desfechos:

– Estabelecer parâmetros globais de história natural da doença, que sejam amplamente aceitos e que possam ser revistos periodicamente;

– Minimizar a exposição dos pacientes ao grupo placebo;

– Analisar novamente as metodologias de significância estatística;

– Realizar registros globais de pacientes e usá-los como referências;

– Pesquisadores terem acesso a dados de outros estudos, com a devida autorização dos pacientes e comitês de ética;

– Introduzir softwares de Risk Based Monitoring na condução dos estudos;

– Consultar os parentes na elaboração do desenho dos estudos;

– Regulamentar o uso de RWE na autorização de medicamentos.

Novos modelos de pagamentos das novas tecnologias precisam ser discutidos em ambiente colaborativo.

Pagadores, produtores de tecnologias e parentes precisam encontrar objetivos comuns na base do diálogo e as discussões precisam ser racionais e com profundidade de conhecimento. Precisamos suplantar a era da teoria e entrarmos na prática.

Dr. Helio Osmo
MD, MBA e sócio-fundador da Science & Strategy