Na Europa e Estados Unidos, restaurantes possuem a disposição dos frequentadores uma caneta para aplicação subcutânea de adrenalina, caso ocorra um incidente de alergia alimentar grave. Pacientes com alergia a alimentos como frutos do mar, amendoim e ovo são comuns, e podem ter repentinamente uma reação com o fechamento da glote e risco de morte. Porque esse dispositivo, tão importante nessas situações, não existe no Brasil?
Recentemente, o FDA (Food and Drug Administration) aprovou nos Estados Unidos um produto chamado Riluzol, em formulação na forma de filme para uso sobre a língua (ASL). O medicamento é indicado para Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Essa doença é neurodegenerativa e leva o paciente em estágio terminal a não conseguir mais deglutir, o que o impede de tomar o medicamento em comprimido. No Brasil, o comprimido existe desde 1995 e já está disponível a versão genérica. Mas a formulação ASL, provavelmente os pacientes brasileiros também não terão acesso.
Nos Estados Unidos, um laboratório multinacional solicitou o registro da formulação intranasal do Glucagon, medicamento utilizado em diabéticos Tipo 1, em caso de sintomas de hipoglicemia aguda. Os pacientes brasileiros também não terão acesso a esse conforto, se a Resolução Nº 2 da CMed (2004), que regulamenta os preços dos medicamentos no Brasil, não for modificada.
A inovação incremental de um medicamento é uma nova tecnologia que visa melhorar a eficácia, segurança ou adesão de um paciente, menor custo ou maior tempo ou custo-benefício de um medicamento, cujo princípio ativo já é conhecido e estabelecido cientificamente. Esse é exatamente o caso da caneta da adrenalina para aplicação subcutânea, do Riluzol ASL e do Glucagon intranasal.
Em 2017, a CMed reconheceu a necessidade de mudar a legislação e propôs uma minuta para classificação específica a inovação incremental. Entretanto, até hoje, os atores envolvidos (Casa Civil, Economia e Saúde) não chegaram a um acordo.
O Ministério da Economia já se manifestou e defendeu a liberação do preço dos medicamentos com inovação incremental, e que o mercado definisse por meio da livre concorrência se o consumidor aceitaria ou não pagar pela inovação. O Ministério da Saúde, entretanto, está muito resistente em relação a mudanças nesse sentido.
Uma consulta pública em 2021, liderada pela CMed, gerou inúmeras polêmicas e não parece haver previsão para essa mudança ser implementada.
As empresas que investiram na nova tecnologia não querem solicitar o preço à CMed, no meio desse ambiente hostil. O resultado prático disso, como sempre, é o prejuízo do paciente brasileiro, que caba por não usufruir desses avanços tecnológicos.
Helio Osmo
MD, MBA e sócio-fundador da Science &Strategy, parceira da NuOn Health