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O efeito placebo/nocebo e a pesquisa clínica

Por Dr. Eduardo F. Motti, Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training

No artigo anterior sobre este assunto, expliquei e coloquei exemplos do efeito placebo e nocebo. Agora, quero apresentar a relação desses efeitos com a pesquisa clínica.

Tanto o efeito placebo quanto o nocebo atrapalham os estudos com novos medicamentos, ou com procedimentos médicos. Na pesquisa clínica, é preciso saber exatamente o efeito da nova droga, sem as influências psicológicas associadas, para determinar sua eficácia e segurança. Para isso, em geral, os participantes são divididos em dois grupos, um recebe a droga-teste e outro um placebo, igual em aspecto ao medicamento ativo, mas sem efeito. É o grupo controle. Para tornar os resultados do teste mais claros, as pessoas tratadas e os médicos não conhecem o que cada indivíduo recebe. É o que se chama estudo “duplo-cego”. Além disso, as pessoas são designadas a cada tratamento por sorteio, não por escolha. É o que chamamos de estudo randomizado. Assim, só se sabe qual o real efeito positivo ou negativo em cada grupo ao final da observação, quando se abrem os códigos que indicam o que cada indivíduo recebeu. Mesmo explicando em poucas palavras, é fácil perceber que a logística desses estudos é bem complicada.

No caso de estudos em que estão envolvidos procedimentos, o mascaramento do tratamento é ainda mais complexo. Por exemplo, em estudos com vacinas injetáveis, o grupo placebo recebe uma injeção de solução salina, ou outra vacina que não está em teste. Nos estudos com acupuntura, um grupo é submetido ao procedimento-teste e no outro as agulhas são colocadas fora dos pontos, onde não haveria o efeito procurado. Nesses casos, o procedimento com agulhas também tem influência no resultado. Há evidências de que, quanto mais invasivo o procedimento, maior a chance dos efeitos placebo e nocebo nos grupos-controle.

Ao final dos estudos duplo-cegos, é possível verificar o efeito procurado em ambos os grupos e a quantidade de pessoas que reportaram efeitos adversos tomando a droga-teste ou o placebo, tais como como dor de cabeça, náuseas, vômitos, diarreia, etc. Uma diferença importante nos efeitos positivos a favor da droga-teste indica que ela foi realmente eficaz, e o estudo é considerado positivo. No caso dos efeitos adversos, eles são comparados com o que ocorreu em quem tomou placebo; os efeitos mais frequentes no grupo-teste são incluídos posteriormente na bula do medicamento.

Mas até que ponto é ético usar um placebo numa pesquisa clínica? Essa é uma questão muito debatida, com dois pontos básicos. Primeiro, não pode haver a intenção de prejudicar o participante da pesquisa pelo uso do placebo. Segundo, o participante deve ser informado da possibilidade de receber um placebo e deve consentir por escrito, após conhecer e aceitar tudo o que será feito no estudo.

Veja artigo anterior sobre o tema: Efeito placebo, efeito nocebo

Além disso, no Brasil, não é permitido o uso de um placebo quando houver um tratamento já aprovado para a doença a ser estudada. No caso de doenças sem qualquer tratamento aprovado, é possível um estudo de uma nova droga contra um placebo, mas com todos os cuidados para evitar danos aos pacientes. No caso de estudos com novas vacinas contra novas doenças, como foi o caso da COVID-19, todos os participantes devem ser cuidadosamente observados para detectar qualquer sinal precoce da doença e, ao final do estudo, quem recebeu placebo deve ser vacinado, se a vacina em teste tiver se mostrado eficaz.

O tema do efeito placebo em pesquisa clínica ainda é uma discussão aberta em muitos aspectos, como o uso do placebo em estudos com crianças, em emergências e doenças graves, em pacientes com déficit cognitivo e muitos outros. Se o leitor tiver dúvidas sobre esse assunto, mande-me uma mensagem que eu lhe responderei.