Dr. Eduardo F. Motti
Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training
Uma recente matéria na imprensa começa assim: “A indústria farmacêutica está abandonando as pesquisas de novos antibióticos ao mesmo tempo em que salta de 700 mil para 1,2 milhão o número de mortes relacionadas às superbactérias resistentes aos medicamentos tradicionais, alerta a OMS¹.” A matéria denunciou o crime e achou o culpado. Só não encontrou uma solução para o problema, que é muito complexo, sem soluções simples ou simplistas à vista.
Antibióticos, ou de forma mais abrangente os antimicrobianos, são um tipo muito especial de medicamento. Colocado em termos simples, quanto mais for usado, menor será sua utilidade. Vamos explorar melhor essa questão.
A era pré-antibiótica, que terminou ao final da segunda guerra mundial, foi uma época de grandes medos: morria-se de pneumonia, infecções após o parto ou cirurgias, meningites e septicemias, todas eram quase uma sentença de morte. Os médicos e as famílias assistiam a piora dos doentes sem ter muito o que fazer, exceto rezar. As infecções, incluindo a tuberculose, eram a principal causa de morte da população em todo o mundo.
No final dos anos 1940 e nos anos 1950 foram desenvolvidos muitos antibióticos, primeiro as sulfas, depois as penicilinas, tetraciclinas, a estreptomicina, etc. Drogas consideradas milagrosas, a ponto de muitos acreditarem que o problema das doenças infecciosas estaria rapidamente resolvido.
Com o uso de cada novo antibiótico, porém, logo surgia a resistência das bactérias que inicialmente eram tratadas. A princípio isso foi visto como um estímulo à pesquisa e comercialização de mais antibióticos. Hoje sabemos que é um processo muito mais complexo e difícil de ser enfrentado. Uma guerra cujas batalhas são ganhas ora por um lado, ora por outro, e não há vencedor final à vista.
Para entender melhor a resistência, vamos lembrar dos filmes em que os militares de elite são submetidos a treinamentos severos, muitos desistem e alguns nem sobrevivem, e apenas os mais resistentes são selecionados. É um pouco assim com as bactérias – submetidas a um antibiótico, a maioria delas morre, mas uma pequena quantidade pode sobreviver, e crescer, e até substituir a população original.
Antibióticos são drogas muito diferentes das demais. Em primeiro lugar, é preciso determinar quais bactérias são sensíveis à sua ação. O padrão de sensibilidade não é imutável, ele varia bastante com o tempo e em regiões geográficas diferentes. Nas grandes cidades brasileiras, as bactérias são bastante resistentes, em parte pelo uso abusivo dos antibióticos por décadas. A situação é mais crítica nos hospitais, onde se concentram pessoas debilitadas, com maiores chances de se infectarem.
Em segundo lugar, é preciso determinar se o antibiótico consegue penetrar no local onde ocorre a infecção. Por exemplo, infecções do sistema nervoso, meningites por exemplo, exigem maiores quantidades de antibióticos para penetrar no tecido nervoso. Para avaliar essas questões são necessários múltiplos estudos clínicos – um para cada local de infeçcão. Esses estudos são caríssimos e demorados. Muitas vezes demoram tanto, que as bactérias já se modificaram entre o início e o final do estudo. Ademais, as autoridades sanitárias são muito rigorosas nas análises para registrar um novo antibiótico, isso significa mais estudos, maiores, mais longos e mais caros.
Em terceiro lugar, o marketing dos antibióticos também é único: são drogas usadas por um tempo limitado para cada paciente. Por causa do aparecimento da resistência, podem perder eficácia após alguns anos. O jeito de prolongar sua utilidade é usar apenas nos “melhores casos” pois, se forem prescritas agressivamente, com uso em larga escala, a resistência aparece mais rápido e a droga perde eficiência logo. Entretanto, se seu uso for muito limitado, será usado em um número restrito de pessoas, e talvez nem consiga pagar os custos de sua pesquisa, mesmo com preço de venda elevado.
Levando em conta todos esses fatores, é possível entender por que as indústrias têm restringido seu interesse por novos antibióticos. É muito difícil ter sucesso financeiro com antibióticos. Não há “abandono” do assunto pelas empresas farmacêuticas, mas seu sucesso e sobrevivência depende de obterem retorno financeiro de seus produtos, o que é cada vez mais difícil com os antibióticos.
É fato que as bactérias resistentes são um problema mundial e crescente – uma verdadeira epidemia. É preciso uma mudança nos sistemas de incentivo à pesquisa, com recursos que não venham diretamente da comercialização das novas drogas, como é hoje o mercado farmacêutico em geral. É preciso também uma melhor definição das áreas prioritárias para desenvolvimento de novas drogas – quais bactérias são os maiores problemas, quais novas tecnologias permitirão novos caminhos de pesquisa.
Nesse sentido a OMS reconheceu a gravidade e extensão do problema e tem reunido especialistas para discutir esses temas em profundidade². Alguns governos têm criado fundos especiais dedicados a pesquisa de novos antibióticos, e incentivos com variado grau de sucesso. Quando novas tecnologias se mostram promissoras, como é o caso de drogas baseadas em RNA, por exemplo, a indústria se lança com vontade, pois essa é sua missão. O esforço conjunto de governos e iniciativa privada será fundamental ara progredirmos e aliviar o sofrimento de milhões de pessoas. Mesmo sabendo que essa luta não tem um final à vista.
A complexidade do tema impede a busca por soluções simples. O papel da imprensa deve ser de ajudar a sociedade a compreender melhor essa temática complexa.
Referências:
- PORTAL UOL – SAÚDE. Farmacêuticas abandonam pesquisas e superbactérias já matam 1 milhão ao ano. Wanderley Preite Sobrinho, 27 de Setembro de 2023
- Global research agenda for antimicrobial resistance in human health | Policy brief. June 2023, www.who.int

