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A necessária atualização da Resolução nº 2 da CMED sobre preços de medicamentos

Neste momento em que contribuições estão sendo avaliadas para subsidiar a atualização da Resolução nº 2 da CMED, considero indispensável rever o passado, compreender o momento que estamos e a partir daí, poder melhor projetar o futuro.

A Resolução nº 2, foi publicada em 2004, mas sua gestação demorou três anos e meio. Os anos noventa, que antecederam a regulação econômica do setor farmacêutico, foram anos que o setor entregou resultados muito ruins para a sociedade. Paradoxalmente, foram anos com eventos marcantes e importantes, cito o Plano Real, a Lei Nº 8.884/1994 da Defesa da Concorrência, a Lei de Patentes, a Lei de Genéricos, a criação de ANVISA.

A partir de 1994 assistiu-se a uma revolução nas estratégias e condutas das empresas brasileiras nos mais diversos setores, derivada da eliminação das amarras governamentais e da crescente pressão concorrencial.

O Plano Real lançado em 1994 foi capaz de reduzir drasticamente a inflação, que em junho de 1994 atingiu 47% ao mês, para a casa de um digito, em setembro do mesmo ano chegou aos 1,51%.

Nesse contexto, chamou atenção o comportamento do setor farmacêutico, que apesar da desregulamentação da economia e da introdução de uma maior competição em todos os setores, praticou aumentos muito acima da inflação. De fato, enquanto a maioria dos setores industriais apresentou enormes ganhos de produtividade, com redução de custos e preços reais ao consumidor, o setor farmacêutico operou na contramão desse movimento.

Ocorreu que, fatos negativos no setor de medicamentos vinham causando um enorme descontentamento na sociedade, com ampla exposição na mídia e forte repercussão no Congresso Nacional. Havia denúncias envolvendo laboratórios farmacêuticos, que estariam elevando seus preços, causando queda no consumo, aumento das vendas de produtos de baixa qualidade além de falsificação de medicamentos.

A consequência foi a instauração de uma CPI no Congresso Nacional, que, concluídas as investigações, recomendou a adoção de medidas de regulação econômica na área da saúde.

A ANVISA, recém-criada no ano de 2000, é instada a se envolver com o acesso a produtos e serviços, modificando e ampliando sua missão institucional: “Proteger e promover a saúde da população garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços e participando da construção do seu acesso” e incluindo, no seu quadro organizacional, a Gerência de Regulação Econômica e Monitoramento de Mercado (GGREM).

A primeira missão da GGREM foi elaborar um estudo adotando o modelo ECD (estrutura, conduta, desempenho) com objetivo de fazer um diagnóstico avaliando o desempenho, a eficiência alocativa e distributiva e apresentar um plano estratégico para ampliar o acesso dos pacientes aos medicamentos.

O diagnóstico foi de queda no acesso da população aos medicamentos no período de 1990 a 2000. Neste período a população cresceu 14%, o faturamento em dólar cresceu 120%, mas a quantidade consumida caiu 2%, de 1,5 bilhões de unidades em 1990 para 1,47 bilhões de unidades em 2000.

Concluiu-se que, era necessário ampliar o acesso e para se ampliar o acesso, seria necessário adotar políticas que, pelo lado da demanda, fortalecessem o poder de compra dos financiadores públicos e privados, e, pelo lado da oferta, desenvolvessem mecanismos capazes de reduzir as principais falhas de mercado, bem como adotar uma política ativa de preços.

As principais ações sugeridas pelo lado da demanda destinadas ao fortalecimento do poder de barganha do comprador foram:

Fortalecimento do sistema público de financiamento centralizando no governo federal a aquisição dos medicamentos patenteados ou com alta concentração da oferta; introdução da ATS (avaliação de tecnologia em saúde) para escolha dos medicamentos para o SUS; descentralização das aquisições dos medicamentos com média e baixa concentração da oferta; prescrição obrigatória pela denominação genérica no SUS dentre outras.

O sistema privado de financiamento de medicamento (saúde suplementar) deveria ampliar a sua cobertura para as principais doenças que acometem a população, com responsabilidade na incorporação, usando ATS, mas ampliando a cobertura para o uso domiciliar.

As principais ações sugeridas pelo lado da oferta foram direcionadas a mecanismos capazes e compensar, reduzir ou suprimir as falhas de mercado, introduzindo maior concorrência:

O medicamento genérico deveria ser a principal aposta do governo para ampliar a concorrência e baixar o preço a médio e longo prazo. Foram muitas as medidas adotadas para introduzir e acelerar a participação do genérico, desde financiamento para a implantação dos primeiros laboratórios de análise de bioequivalência até as campanhas oficiais na mídia para difundir a informação e gerar a credibilidade necessária para que a classe médica pudesse confiar, prescrever e o paciente demandar os medicamentos genéricos.

Além das dificuldades para a imediata implementação, as políticas regulatórias mencionadas anteriormente não entregariam de imediato o resultado esperado pelo governo. Dessa maneira, tornava-se necessário o estabelecimento de uma política transitória de intervenção direta na formação dos preços do setor, com a finalidade de garantir o bem-estar econômico e social enquanto as políticas estruturais não surtiam seus efeitos plenos.

O modelo de regulação de teto de preço adotado foi parcialmente inspirado no Canadá e segue uma hierarquia de comparações baseada em valor para o paciente. Na categoria I o medicamento tem que gerar para o paciente um benefício superior ao medicamento anteriormente considerado padrão ouro para a respectiva indicação terapêutica avaliada e aprovada pela ANVISA. Gerando o maior benefício, deve receber como prêmio o preço do mercado internacional. A partir daí, as categorias II e V tem dupla comparação, preços internacionais e nacionais. Para as demais categorias a comparação é limitada aos preços nacionais.

Atualmente, o maior obstáculo enfrentado pelas empresas inovadoras, seja inovação radical ou incremental, encontra-se na dificuldade de comprovar o valor para o paciente. A principal causa para que isso ocorra está no fato de a maioria das vezes não existir estudo de comparação direta entre os produtos novos e os antigos. A CMED atribui as empresas o ônus da prova e sem estudo considera que não foi demonstrado o ganho e o produto novo recebe o preço do produto antigo. Algumas vezes, sequer existe um comparador, tratando-se de uma necessidade médica não atendida, mesmo assim elege-se um comparador. Este critério tem impedido o lançamento de um número significativo de produtos no mercado brasileiro.

Para o futuro, considerando que as políticas estruturais citadas já produzem a maior parte dos efeitos esperados, quais sejam: a ANVISA se tornou uma agência respeitada garantindo a eficácia e segurança dos medicamentos registrados, a CONITEC faz a avaliação das tecnologias incorporadas no SUS, a assistência farmacêutica especializada está centralizada no governo Federal, a política de genéricos está consolidada, o acesso cresceu em 70% na década de 2000 a 2010 e 128% na década de 2010 a 2020, então, poderíamos flexibilizar a regulação.

A regulação de preços poderia se pautar segundo análise das condições de concorrência em cada “mercado relevante do produto” – conceito internacionalmente aplicado pelas agências de defesa da concorrência.

Classificação do mercado farmacêutico, segundo critérios da análise antitruste para definição de mercados relevantes e de essencialidade do produto.

Classificação dos mercados identificados pela análise acima segundo os regimes de regulação de preços em que seriam enquadrados, subdivididos em três categorias: liberados; monitorados; e controlados;

Estabelecimento de regras de movimentação de produtos e mercados entre os regimes de preços acima estabelecidos.

As regras para precificação dos produtos com inovação radical ou incremental, que em situações especiais a CMED tenha dificuldades para aceitar os ganhos terapêuticos, com a ausência de estudos de comparação direta e que a comparação indireta seja de enorme grau de dificuldade, as empresas poderiam solicitar a realização de painel de especialistas para dirimir as dúvidas e chegar a uma recomendação. A CMED poderia ainda, solicitar um parecer de especialista que não tivesse conflito de interesse ou de associações médicas da respectiva enfermidade. Sem dúvida, a escolha do medicamento comparador para os medicamentos inovadores é o principal problema que tem que ser resolvido. A norma atual tem permitido um enorme espaço para a subjetividade na aplicação, causando insegurança jurídica e um contencioso ruim para o regulador e para o regulado.

Todos os países têm preocupação com os preços de medicamentos, todos adotam algum tipo de política de regulação, mesmo os EUA têm uma série de ações voltadas para preços de medicamentos, então, a pergunta não é se o Estado deve ou não se envolver nesta questão, a pergunta é como o Estado deve se envolver?

Pedro Bernardo
Economista, trabalhou por 25 anos no Ministério da Fazenda. Em 2000, ingressou na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tornando-se um dos principais formuladores e executores das políticas de regulação econômica relacionadas a medicamentos. Foi diretor de acesso e assuntos econômicos e presidente interino da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). Em 2020, fundou a PB Gestão Empresarial, que presta consultoria às principais empresas da área de saúde e realiza estudos para a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas)

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