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Saúde

Terapias alternativas causam controvérsia no SUS

Fonte: G1

O chazinho de boldo contra má-digestão, uma imposição de mãos para renovar as energias ou as finas agulhas inseridas no corpo para aliviar dores. Em algum momento da sua vida, você deve ter tido contato com essas ou outras terapias alternativas, algumas usadas há milhares de anos como tratamentos de saúde em culturas e comunidades.

Citadas acima, a fitoterapia (uso de plantas medicinais como remédio), o reiki (aproximação ou toque no corpo para reestabelecer o equilíbrio energético) e a acupuntura (inserção de agulhas em locais anatômicos para bem-estar) são apenas três das 29 práticas integrativas e complementares (PICS) disponíveis no Brasil via Sistema Único de Saúde (SUS).

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As chamadas PICS são recursos que “buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade”, diz o Ministério da Saúde, que instituiu a política no SUS em 2006.

Se, por um lado, há quem defenda o uso de terapias alternativas para a diminuição de sintomas ou até a cura de doenças, por outro há quem condene as PICS por falta de evidências científicas, como ocorre com a medicina convencional.

1 – As PICS no SUS
Dados levantados pelo Ministério da Saúde a pedido do g1 mostram que a procura por terapias alternativas no SUS aumentou nos últimos anos:

> De 2019 até a metade de 2022, 84% dos municípios brasileiros (4.665) ofertaram, em algum momento, práticas integrativas e complementares nos sistemas públicos de saúde;
> Até julho de 2022, mais de 8,2 mil estabelecimentos em saúde registraram oferta de PICS na atenção primária;
> No mesmo período do ano passado, 3.082 cidades ofereciam as terapias alternativas no SUS;
> A quantidade de procedimentos individuais em PICS realizados na primeira metade de 2022 representa 82% do total realizado em 2021: foram 532 mil até julho do ano passado e 645 mil em 2021;
> Os procedimentos coletivos em PICS também aumentaram: de 13,4 mil em 2021 para 15,6 mil até julho de 2022.

As 29 práticas permitidas no SUS são: medicina tradicional chinesa/acupuntura, medicina antroposófica, homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, termalismo social/crenoterapia, arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa, yoga, apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais.

Onde ocorrem os atendimentos? A maior parte acontece nos postos de saúde de bairro. Em São Paulo (SP), há seis unidades voltadas exclusivamente para tratamentos complementares, atividades corporais e meditativas. Em uma delas, localizada no bairro Vila Mariana, as terapias mais procuradas são a acupuntura e a homeopatia.

A recomendação é que os tratamentos alternativos sejam feitos juntamente com as práticas médicas convencionais (cirurgias, medicamentos e etc.) de acordo com a necessidade de cada paciente.

Quem está autorizado a fazer a prática? O SUS pode contratar ou fazer concurso para profissionais de PICS desde que os conselhos de cada profissão reconheçam que as formações possam exercer as terapias alternativas. O que se vê, na maioria, são pessoas da área da saúde com cursos e especializações em PICS.

2 – O debate científico
Não há consenso entre médicos e cientistas sobre a efetividade das PICS na saúde das pessoas. A principal resistência está no campo da ciência: terapias alternativas têm ou não têm a eficácia cientificamente comprovada?

Para a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), algo só pode ser transformado em medicamento ou tratamento se for testado de acordo com a metodologia usada na ciência como, por exemplo, no desenvolvimento de novas vacinas, que passam por ensaios clínicos e testes de segurança e eficácia antes de serem disponibilizadas para a população.

Natália citou como exemplo a aspirina. A história do remédio começa no Egito Antigo com um tônico produzido a partir da casca da árvore chorão (ou salgueiro) que causava alívio nas dores do corpo.

“Isso foi investigado cientificamente e descobriu-se a molécula que era responsável pelo efeito analgésico e antitérmico. O medicamento foi testado, passou por testes clínicos, randomizados, controlados, com duplo placebo, teste de segurança, de eficácia e virou a aspirina”, explica.

Consideradas mais populares, a homeopatia e acupuntura são reconhecidas como especialidades médicas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), desde que sejam feitas por médicos. Mas, segundo Natália, os testes mostraram que as técnicas não funcionam.

“AS PICS não são todas iguais. A ioga, que é uma técnica corporal, tem benefícios comprovados para a saúde. Mas a grande maioria dessas 29 existentes no SUS é medicina alternativa que nunca foi comprada cientificamente”, coloca a presidente o IQC.

Já para a epidemiologista e professora Fátima Sueli, que estuda o tema na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), as terapias alternativas não seguem o mesmo rito da lógica biomédica. Isso porque, muitas vezes, trabalham com conceitos que não podem ser medidos, como energia ou espiritualidade.

“Os resultados práticos positivos de quatro mil anos da ayurveda, que é a primeira medicina que se tem história pela antropologia, não são ciência? Os chineses fazem isso há três mil anos. Que arrogância é essa que a ciência do modelo biomédico diz que só é ciência o que pode ser comprovado com instrumentos novinhos que a gente tem agora?”, questiona a médica.

A pedido do Ministério da Saúde, o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (Cabsin) formou em 2018 uma rede de pesquisadores brasileiros com o objetivo de construir 23 mapas de evidências sobre as PICS. Foram analisadas mais de 800 revisões sistemáticas com estudos sobre a efetividade clínica de medicinas tradicionais e outras práticas integrativas e complementares.

Segundo os pesquisadores, a maioria apresentou evidências com efeitos positivos na saúde, mas a falta de efeitos também foi encontrada em alguns estudos.

Para Caio Fábio Portella, vice-presidente do Cabsin, falta pesquisa e desenvolvimento científico em práticas integrativas, inclusive no Brasil.

“As tecnologias que são estimuladas na área da saúde acabam sendo focadas muito na atenção terciária, com uma abordagem muito centrada em medicamentos, em equipamentos, mas pouco centrada em intervenções de promoção de saúde, que promovem outra lógica de cuidado”, diz.

3 – Constelação familiar e ozonioterapia: as polêmicas
Em março de 2018, a constelação familiar e a ozonioterapia foram incluídas na política nacional de PICS e passaram a ser ofertadas na rede pública de saúde, mas são carregadas de polêmicas e questionamentos sobre a eficácia e a metodologia.

A constelação familiar é definida pelo Ministério da Saúde como “uma técnica de representação espacial das relações familiares que permite identificar bloqueios emocionais de gerações ou membros da família”. Ela é baseada em estudos do psicoterapeuta alemão Bert Hellinger datados da década de 1980 – e sem nenhum saber popular envolvido.

As críticas são voltadas aos conceitos machistas e patriarcais que norteiam a prática. Em um de seus livros, Hellinger coloca que mulheres que engravidam em um estupro precisam “respeitar o pai da criança que eles têm juntos”.

“No momento em que você se propõe a tratar de doenças mentais e de traumas psicológicos com uma técnica que não tem comprovação científica e que traz um histórico de uma ideologia extremamente patriarcal, machista e punitiva, você pode criar problemas”, afirma a presidente do IQC, Natália Pasternak.

A médica Fátima Sueli, da Abrasco, defende que a constelação familiar seja ofertada no SUS, desde que haja indicação. “São técnicas que têm indicações precisas”, diz. “A integralidade é isso: colocar à disposição do usuário”.

Já a ozonioterapia é um método de introdução de ozônio no corpo, geralmente misturado com oxigênio ou líquidos, por diferentes formas. No Brasil, a terapia é considerada experimental e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só libera o uso para alguns procedimentos odontológicos e estéticos, como tratamento de cárie e auxílio à limpeza e assepsia de pele.

A prática ficou mais conhecida na pandemia da Covid-19 como uma falsa promessa de tratamento. Em dezembro de 2022, o debate veio à tona novamente após a cantora Anitta revelar que usou da ozonioterapia para melhorar seu condicionamento físico – o tratamento feito pela artista nos Estados Unidos não é liberado no Brasil.

“Não há lastro científico nenhum e não tem comprovação de eficácia. É algo que já foi testado e se viu que não funciona e que pode acabar desviando a pessoa de tratamentos realmente eficazes. Quando a pessoa busca um tipo de medicina alternativa, pode atrasar diagnósticos de doenças sérias e pode recusar tratamentos realmente eficazes”, afirma Natália Pasternak, do IQC.

4 – O que dizem os pacientes
Entre os adeptos das terapias alternativas, os relatos convergem: diminuição das dores físicas, melhora na saúde mental, promoção do autocuidado e oportunidades de socialização, principalmente entre idosos.

“Eu tinha muitas dores. Melhorou em torno de 80% com as práticas integrativas”, disse ao g1 Josabete Cavalcante Bezerra, de 47 anos.

Após desenvolver três hérnias na cervical e problemas na lombar por conta do antigo trabalho, a hoje dona de casa faz acupuntura na unidade de PICS Bosque da Saúde (SP) por indicação de um médico ortopedista.

Maria Amélia dos Santos Pereira, de 65 anos, teve contato com as práticas integrativas e complementares há mais de 10 anos. Tanto se interessou que decidiu fazer um curso de chi kung, prática da medicina tradicional chinesa voltada para o relaxamento do corpo.

Nas atividades coletivas, a dança circular é a mais exaltada pelos usuários. A prática, presente no SUS desde 2017, promove interação, novas amizades e faz bem para a mente, segundo os adeptos.

“A gente se diverte, interage. Melhorou em 100% minha vida”, contou Marta Machado, de 57 anos.

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