Dr. Eduardo F. Motti, Sócio Gestor da Consultoria Trials & Training
Alguns avanços da medicina provocam mudanças importantes. Como imaginar as cirurgias antes da introdução da anestesia (1846)? O tratamento do diabetes antes da insulina (1923)? As infecções bacterianas antes dos antibióticos? As drogas contra o câncer e outros exemplos são emblemáticos e bem conhecidos.
Há, entretanto, outros casos nos quais o avanço terapêutico, mais do que mudar o tratamento de uma doença ou sintoma, ultrapassa o campo da medicina e provoca mudanças na sociedade como um todo. Foi o caso, por exemplo, da pílula anticoncepcional, introduzida no começo dos anos 1960, que mudou a forma como a sociedade passou a se relacionar com a maternidade, a fecundidade, o tamanho das famílias e a posição da mulher na sociedade. Outro exemplo foi a chegada do Viagra nos anos 1990, que virou de cabeça para baixo como a sociedade lida com a atividade sexual, mas de maneira diferente do que aconteceu com os contraceptivos orais.
Nos últimos anos, começou mais uma mudança dessa ordem. São os análogos do GLP-1 ou, como o leitor os conhece: Ozempic e Wegovy (semaglutida) Byetta (exenatida), Victoza e Saxenda (liraglutida), Trulicity (dulaglutida), Mounjaro e Zepbound (tirzepatida), e outros que virão no futuro.
Explicando melhor, o GLP-1 (glucagon-like peptide) é um hormônio produzido em vários órgãos, que tem múltiplas ações: acelera a sensação de saciedade, aumenta a secreção da insulina e retarda esvaziamento do estômago. Substâncias análogas são produtos sintéticos que simulam a ação do GLP-1. Elas foram estudadas inicialmente para controlar a glicemia em diabéticos e reduzir as complicações da doença. Nos estudos realizados, foi observada perda de peso como efeito secundário, e novos estudos foram feitos para verificar até onde essa perda de peso poderia ser um novo uso para essas moléculas, inclusive para obesos não-diabéticos.
Diabetes tipo 2 e obesidade são pandemias. Há mais de 800 milhões de diabéticos no mundo e mais de um bilhão de obesos em graus variados. Isso significa que a população-alvo é da ordem de centenas de milhões de pessoas! A obesidade é uma doença multifatorial, estigmatizada, e o que chamamos de uma “necessidade médica mal atendida”, pois os tratamentos disponíveis até há pouco eram pouco eficazes e com efeitos adversos limitantes.
Nos estudos clínicos realizados com os GLP1, o diabetes foi controlado em cerca de 70% dos casos e o emagrecimento em diabéticos e não-diabéticos variou de 5% até 25% do peso, após 1-2 anos de uso. Para além da perda de peso, verificou-se que essas drogas podem reduzir a ocorrência de complicações cardíacas, renais, hepáticas (fígado gorduroso) e talvez neurológicas, como reduzir o aparecimento de Alzheimer e outras. Além disso, reduzem o comportamento compulsivo, muito comum em obesos [1].
As vendas explodiram ao ponto de os fabricantes não conseguirem produzir quantidades suficientes para abastecer os mercados. As empresas fabricantes vivem dias eufóricos e até o PIB da Dinamarca, sede de uma delas, cresceu bastante. A indústria de alimentos preparados (junk food) está preocupada com possível retração de seu mercado [2]. O setor de restaurantes está revendo seus cardápios e tamanho dos pratos. A própria relação das pessoas com a comida está em cheque e países como os Estados Unidos, onde as porções são enormes e mais de 100 milhões de pessoas precisam perder peso, começam a perceber uma nova realidade.
A revolução está apenas começando. A obesidade não vai acabar, mas avançamos e ainda não sabemos até onde vamos conseguir chegar.
Referências:
- Daniel Ducker. The benefits of GLP-1 drugs beyond obesity. https://www.science.org, July 24th, 2024.
- Ozempic Could Crush the Junk Food Industry. But It Is Fighting Back. https://www.nytimes.com/2024/11/19/magazine/ozempic-junk-food.html?unlocked_article_code=1.fE4.RtCg.s813JAM9K5Kn&smid=url-share