No idos de 2000, um dos médicos mais ilustres da medicina brasileira foi convidado para ser Ministro da Saúde. Era o renomado cirurgião Adib Jatene. Ele foi ministro durante as gestões de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, que viram que o nome dele dava credibilidade. Só que na segunda gestão, ele recebeu um recado do Ministério da Fazenda: não tem dinheiro. Afinal o Brasil é um país pobre. Não tem dinheiro.
Mas o Dr. Adib Jatene era um médico que se preocupava com o paciente, no caso o Brasil. Ele teve uma ideia brilhante. Vamos criar um imposto para a saúde. Quem reclamaria de um imposto para fortalecer o SUS, a CPMF (Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeiras)
O Dr. Adib Jatene é considerado por alguns o “pai” da CPMF , pois ele foi buscar a aprovação da contribuição com a promessa do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) de que ela seria um recurso a mais para a saúde. A promessa não foi cumprida e o Ministério da Saúde perdeu mais recursos do que os que conseguiu com a CPMF.
Lula não deu apoio e Fernando Henrique desvirtuou o imposto. Veja a entrevista com o jornalista Josias de Souza, em 2007, na Folha de São Paulo:
Ministro da Saúde de FHC, o cardiologista Adib Jatene diz que, no seu formato original, a CPMF era “vinculada à Saúde”. Depois, tornou-se apenas “mais uma fonte do Tesouro”. Conta que pediu demissão, em novembro de 96, porque o governo reduziu o orçamento da Saúde depois que o Congresso aprovou a CPMF. “Puxaram o meu tapete”, lamenta. Abaixo, a entrevista:
- CPMF foi desvirtuada?
Não é mais o que eu tinha proposto. Uma parte continua indo para a Saúde. Mas tornou-se mais uma fonte do Ministério da Fazenda, como é a Cofins, a CSLL e qualquer outro tributo. - Como era a proposta original?
Foi aprovado no final de 1996. Era vinculado à Saúde. Duraria dois anos. Depois, foi modificado. A alíquota passou de 0,20% para 0,38%. Na minha época, a área econômica não acreditava que eu conseguiria aprovar no Congresso. Depois, não acreditavam que a arrecadação seria importante. A coisa se mostrou diferente. Eles acharam ótimo. E virou fonte para o Tesouro. - Como se comportou o PT na votação da CPMF?
Ah, o PT fechou questão contra. O Eduardo Jorge, que era deputado na época, foi o único petista que votou a favor. E sofreu advertência do partido. Eu cheguei a falar com o Lula e com o José Dirceu. - Falou com o Lula uma vez?
Tive duas reuniões com ele. Fiz um esforço danado. Havia outros petistas dispostos a aprovar. Mas eles fecharam questão contra (gargalhadas). - O senhor ri?
O que você quer que eu faça? Nada como um dia atrás do outro. - Sua saída do governo FHC teve relação com a CPMF?
Teve relação direta. Eu disse ao presidente Fernando Henrique que precisava de recursos. Ele pediu para falar com o Pedro Malan [ministro da Fazenda]. O Malan me disse que, em dois ou três anos, daria o dinheiro que eu precisava. Não podia esperar tanto tempo. Propus a volta do imposto sobre o cheque, que se chamava IPMF e havia sido extinto em 94. O presidente disse: ‘Você não vai conseguir aprovar isso.’ Respondi: Posso tentar? Ele autorizou. Pedi o compromisso dele de que o orçamento da Saúde não seria reduzido. A CPMF entraria como o adicional. E ele: ‘Isso eu posso te garantir’. Depois da aprovação, a Fazenda reduziu o meu orçamento. Voltei ao presidente. Disse: no Congresso, me diziam que isso ia acontecer. Eu respondia que não, porque tinha a sua palavra. Se o senhor não consegue manter a sua palavra, entendo a sua dificuldade. Mas me faça um favor. Ponha outro no meu lugar. Foi assim que eu saí, em novembro de 96. - Se arrepende de ter criado a CPMF?
Não. Consegui a aprovação, que ninguém acreditava. Se depois me puxaram o tapete não é culpa minha. Fiz a minha parte. Era um gestor. Não tinha recursos. Fui buscar. Se depois me tiraram o recurso, a responsabilidade não é minha. - A Saúde continua precisando de dinheiro?
Claro que sim. O orçamento da Seguridade neste ano é de R$ 370 bilhões –30% deveriam ir para a Saúde. Dá R$ 111 bilhões. Mas o orçamento da Saúde é de R$ 46 bilhões. A diferença é de R$ 65 bilhões. Diz-se que o problema da Saúde é de gestão. Isso é uma bobagem. O problema é de falta de dinheiro.
*******************************************************************
Mas o PT virou governo e o dinheiro para a saúde sempre diminuiu. E com o Bolsonaro também.
Num evento esse ano (2022), na FIESP, o Ministro da Saúde Marcelo Queiroga “escapou” que ele tinha um orçamento de 25 bilhões e que no ano anterior era de 18 bilhões. Orgulhosamente, nesse mesmo evento o candidato a Vice-Presidente e médico Geraldo Alckmin dizia que o Brasil aplicava 4% do PIB na saúde – 4% do PIB é o que aplicam os países da África e outras ditaduras.
Mas entrou o governo de transição e aprovou a PEC, na qual não haveria um teto de gastos orçamentário com a justificativa, entre outras, que não haveria dinheiro para o Programa Farmácia Popular.
O Programa Farmácia Popular foi criado em 2004, pela Lei 10.858, no governo Lula e, é gerenciado pelo Departamento de Assistência Farmacêutica – DAF / Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos – SCTIE. O Programa Farmácia Popular (PFP) disponibiliza medicamentos gratuitos para o tratamento de diabetes, asma e hipertensão e, de forma subsidiada para dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose, glaucoma, anticoncepção e fraldas geriátricas.
Nesses casos, o Ministério da Saúde paga parte do valor dos medicamentos (até 90% do valor de referência tabelado) e o cidadão paga o restante, de acordo com o valor praticado pela farmácia. O PFP é um programa do Governo Federal que visa complementar a disponibilização de medicamentos utilizados na Atenção Primária à Saúde (APS), por meio de parceria com farmácias e drogarias da rede privada. Dessa forma, além das Unidades Básicas de Saúde e/ou farmácias municipais, o cidadão poderá obter medicamentos nas farmácias e drogarias credenciadas. O PFP é um programa de acesso público privado de sucesso e muito apreciado pela população. Entretanto, vem sofrendo com faltas de medicamentos nos últimos anos.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Saúde e Assistência Farmacêutica (IBSFARMA), o orçamento previsto para o PFP é de R$ 1,018 bilhões, ou seja R$ 1,8 bilhões abaixo do que é necessário, que é de R$ 2,8 bilhões.
Qual é a chance de ocorrer um novo estelionato político em relação ao que foi prometido para a aprovação da PEC da transição? A nova ministra da Saúde, Nísia Andrade, terá um grande desafio pela frente na composição do orçamento do SUS, Farmácia Popular entre outros.
Helio Osmo
MD, MBA e sócio-fundador da Science & Strategy